quarta-feira, 16 de novembro de 2011

The End



Aqui o 11 de Novembro é feriado, é o dia da independência e como tive a sorte de me calhar numa sexta-feira aproveitei para escapar ao trabalho de sábado e ir conhecer mundo com a ‘mary poppins’. Decidimos partir por essas estradas fora e ir até Malange para ver a quedas de Kalandula. 
Ainda mal tínhamos iniciado a viagem quando, pelo caminho, apanhámos com uma tempestade diferente de qualquer outra pela qual eu tivesse passado antes. Era uma tempestade tal que por vezes mal se via a estrada mas o que caía no vidro do carro não era água da chuva, nem neve, nem granizo... eram borboletas, borboletas pretas.
Não sei que fenómeno borboletífero acontece por esta data nesta parte do globo mas a verdade é que estou convencido de que todas as borboletas pretas do mundo se reuniram ali, numa faixa de alguns quilómetros de estrada rodeada de floresta entre Luanda e o N’Dalatando. Um milhão de borboletas morreram no vidro do meu carro, outro milhão no do carro da frente e mais outras tantas no carro que seguia à frente desse. Havia tantas borboletas que não era possível passar sem esborrachar um milhão delas que ao serem esmagadas contra o vidro o deixavam coberto de uma substancia pastosa amarelada que teimava em não sair facilmente apenas por se borrifar água no vidro e ligar os limpa pára-brisas. Um milhão daquelas borboletas morreu naquele dia por cada carro que passou naquela estrada e ainda assim o chão estava coberto por milhões mais.

No N’Dalatando fizemos uma paragem para conhecer a cidade e tirar umas fotografias e em menos de alguns minutos ficámos rodeados por umas dezenas de miúdos que tudo o que queriam era que eu lhes tirasse uma fotografia para que depois a pudessem ver e se conseguissem encontrar a si próprios, no pequeno ecrã da máquina, no meio da confusão de pequenos que povoava cada fotografia. A vontade de se verem na fotografia era tanta que não paravam de se empurrar uns aos outros e de me puxar os braços para que cada um fosse o primeiro a poder gritar ‘eu estou ali, aquele sou eu’.

Seguimos para Malange, e como fomos à aventura, sem hotel marcado corríamos o risco de não haver quartos e qual não é... corremos todos os hotéis da cidade, todas as pensões e todos os albergues, ninguém tinha quartos... nem mesmo a subtil insinuação de que eu pretendia pagar o dobro do valor do quarto, apenas por causa do ar simpático do dono de uma albergaria, quando este me disse que tinha acabado de alugar o último surtiu qualquer efeito. Valeu-nos o tuga, dono de um restaurante que nos encaminhou para uma missão beneditina / seminário onde dormimos num quarto paupérrimo, com uma casa de banho sem luz e onde na manhã seguinte não havia água. Na incansável busca por um quarto acabámos por conhecer um simpático casal de estranhos que andava na mesma odisseia e com o qual nos cruzámos diversas vezes e sem que tivessemos combinado acabaram por ir parar ao mesmo sitio que nós.
Fomos ver as quedas de Kalandula no dia seguinte e imbuídos do espírito de aventura que África nos faz sentir decidimos meter a nossa amostra de jipe pela picada entre Kalandula e o Cacuso em vez de seguir pela estrada de alcatrão que tínhamos feito no dia anterior. Perguntei à ‘betty boop’ se ela se sentia com vontade de arriscar a ficar atascada na lama sem rede de telemóvel para pedir ajuda e a dezenas de quilómetros de qualquer povoação, como obtive resposta afirmativa lá fomos nós. Passámos por kimbos esquecidos pela civilização onde os pequenos nos acenavam e gritavam quando passávamos, noutros onde os pequenos que brincavam na lama fugiam ao avistar o carro e sempre que encontrávamos três ou quatro a brincar perto da estrada oferecíamos-lhes os bombons que tínhamos comprado numas bombas de gasolina e em troca eles ofereciam-nos um sorriso imenso e alguns gritinhos de alegria.
Valeu-nos a tracção às quatro rodas da nossa mini-micro-amostra de jipe pois passamos em alguns lameiros onde deu para a adrenalina subir ao cérebro e criar um medo miudinho de ficar no meio da lama.
Umas vezes rodeados de floresta, outras a ver savana até onde a vista alcança foi ali que me senti mais em África.

Fomos ver as Pedras Negras de Pungo Andongo um sitio espetacular e onde vale mesmo a pena subir e sentar um pouco a apreciar a vida e ainda tentamos ir ver a maior barragem de Angola, a barragem de Capanda. Eu que já estive na de Cambambe e sei que tive que passar por dois controlos policiais onde foi necessária uma autorização já sabia que o mais provável seria não podermos chegar nem perto e assim foi. Um ‘pula’ habituado a passear por cima das barragens da tuga não se lembra destas coisas mas imagino que as barragens, durante a guerra, fossem alvos militares bastante apetecíveis para o inimigo e como tal têm que ser bem protegidas. As memórias da guerra ainda não desapareceram por completo e no controlo policial antes da barragem de Capanda não nos deixaram passar para a visitar, é preciso autorização e nem sequer de longe chegámos a ver o rio. Pelo caminho vimos apenas tempestades ao longe, na savana, com relâmpagos a cair em locais distantes.

Tirámos muitas fotos bonitinhas entre as quais a que eu mais gosto é a das seis pequenas com que nos cruzámos em Kalandula, cada uma levou um bombom e em troca posaram para uma fotografia linda que a ‘quinny’ tirou e com que eu enfeitei este post para que parecesse bonito e vos levasse, ao engano, a lê-lo. Fizemos também dois filmes, são bastante foleiros mas por certo vocês também não esperavam melhor. A verdade é que foram feitos com uma máquina fotográfica das reles e baratas e também se eu soubesse fazer filmes estava a esta hora em Hollywood, numa qualquer festa muito chic, ao lado da Angelina Jolie e de outras que tais, certinho é que não estava aqui a escrever nem vos ia contar nada do que fizesse nessas loucas festas cheias de actrizes lindonas.

O filme das quedas de Kalandula podem ver em:

O filme com as borboletas podem ver em:

Chamo a atenção para a berma da estrada, esta é de cimento branco mas de tantas borboletas ficou completamente preta. 
Cada ponto preto que se vê no filme não é um lixo na câmara nem no vosso ecrã, é uma borboleta que mais tarde se transformou em 'gosma nhanhenta espalhada pelo vidro de um carro'.

Para as fotografias, que são muitas fiz um novo álbum, encontram-no em:

Esta foi a última vez que vos escrevi e é aqui que me despeço de todos vós... infelizmente escrever faz-me ficar com o ego gordo (coisa típica de homens), caso vocês não saibam egos gordos fazem pessoas arrogantes e eu já não ando longe de me achar um qualquer semi-deus, tal e qual divindade incarnada já tenho alguns tiques faraónicos... Tudo isso não ajuda nada a ser boa pessoa, mas também não é para menos, a verdade é que tenho vinte e oito seguidores e lembro-me vagamente de ter ouvido falar de alguém que há dois mil e tal anos atrás tinha apenas doze seguidores, sem internet e sem nada acabou por morrer com a idade que tenho hoje e daí surgiu uma religião imensa com milhões de seguidores. Pois bem, não é nada disso que pretendo para mim, eu quero apenas ser eu pois é aquilo que sei fazer melhor e uma vez que já tenho mais do dobro de seguidores do que esse outro rapaz tinha com a minha idade parece-me que o mais sensato é parar por aqui.
As escrituras do Bernardo acabaram hoje, a 16 de Novembro,  quatro ou cinco meses antes de fazer dois anos que começaram. Dois anos é uma vida e valeu a pena a este blog existir por este tempo, hoje morreu mas morre com a sensação de que teve uma vida jeitosinha, não foi inesquecivel mas viveu, não era intenção dele deixar saudades nem que a sua falta fosse sentida.
Saibam que se aqui voltarem será apenas para reler histórias antigas (a verdade é que há duas ou três que são razoaveizinhas e vale a pena reler).

Desta é que não volto,
Bernardo Marques.

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