sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Nú com a mão no bolso


Hoje estive a ver as noticias e por diversas vezes uma ou outra pessoa falou no fim do programa de resgate e o que iria acontecer depois do final do programa de resgate e coisas associadas, houve até quem estivesse a discutir ou a fazer previsões.
Eu sei que sou apenas um bronco e tenho a felicidade de a minha aparência exterior dar a impressão de que sou um gajo inteligente mas não consigo perceber puto destes problemas complicados. Só consigo perceber coisas simples por isso tenho que pensar em analogias mais fáceis de perceber.
Fazendo uma analogia das contas do país com aquelas de casa vamos supor que o governo não é mais do que um gajo rico (sim, Portugal é um país rico) que vive num condomínio de luxo de vizinhos ainda mais ricos. Ou seja é o wannabe lá do bairro, o vizinho que até estava bem num bairro de classe média mas quer fazer parte dos ricos e por isso está no condomínio de luxo.
Eu sei bem que as vossas cabeças pequeninas vos puseram a imaginar um condomínio com apartamentos muito bonitos e uma relvinha lá em baixo mas isso é só porque vocês têm cabeças pequeninas, eu estou a falar de uma coisa de ricos à séria, daquelas com mansões enormes de cinquenta quartos, grandes terrenos, um sitio com o espaço que um gajo precisa para ser feliz que dê para passear a cavalo pelo jardim.
Este rico que é bem rico mas não passa de um wannabe ao pé dos outros teve o incentivo dos verdadeiros ricos lá do bairro, gajos com kumbu aos montes, Steves Jobs e Billes Gates lá do sitio e mudou-se para uma dessas mansões, tudo à grande, com magotes de jardineiros a trabalhar para ter tudo bonito, com governantas e mordomos, motoristas e um exercito de empregados (esta gente são vocês, o senhor é o governo, a mansão e os jardins são o país). Este rico apanhou-se com uns trocos no bolso e pôs-se a comprar estores electricos, banheiras de hidromassagem para as casas de banho da mansão e dos empregados, espalhou campos de ténis pelo jardim, comprou carrinhos de golfe, mandou  relvar a parte do jardim que estava em terra, portões eléctricos e as outras cenas todas que eu nem sei que existem mas que são boas de ter. Os bancos sabiam que ele era rico, vivia no condomínio dos ricos e emprestaram-lhe dinheiro sem olhar a contas. Grande parte das coisas que o triste comprava eram feitas nas empresas dos vizinhos ricos e estes diziam ao banco que era seguro emprestar, que ele era lá do bairro e era investimento seguro.
Chegou a crise (eh pá, neste caso vamos imaginar que chega a todos, até aos ricos) e os bancos começaram a olhar a quem emprestam, os vizinhos começaram a falar que era precisou não gastar à bruta e tal e o senhor de que fala esta história achou também que talvez fosse hora de poupar e deixar de gastar à toa, até pensou deixar de comprar o caviar... ia só fazer mais umas obras que já tinha pensado para melhorar a mansão e empedrar mais uns caminhos pelo jardim mas coisa pouca, nada dos exageros de antes, fez as continhas todas e viu que para pagar as prestações dos empréstimos que tinha pedido, para pagar aos empregados, os contratos para a manutenção de tudo o que tem, os arranjos dos caminhos que se estragam com o tempo, a luz da casa e a água das piscinas e da rega até não estava mal, juntando o caviar para se alimentar (sim aquilo de cortar no caviar ele só pensou nunca chegou realmente a fazer) só tinha que ir sempre, todos os meses, pedir um pequeno empréstimo ao banco e estava safo. A verdade é que se safou, durante os primeiros anos não teve problemas a sério, ia, pedia e emprestavam, até que a divida ficou gorda de mais, as prestações aumentaram e os bancos começaram a criar problemas.
Quando os bancos deixaram de emprestar, quando já nenhum banco aceitava emprestar dinheiro o senhor viu-se mal, tinha que pagar a todos os empregados e a verdade era que até tinha contratado mais do que precisava, tinha que pagar prestações e a manutenção de tudo e foi falar com os vizinhos. Pediu que fizessem uma vaquinha entre todos e juntassem dinheiro para ele conseguir endireitar a vida, em troca iria ajustar as suas contas e em breve estaria de volta à boa vida e poderia pagar o empréstimo aos vizinhos com um bom juro, no final eles até ficariam a ganhar. Aos vizinhos até lhes convinha, iam emprestar com um juro jeitoso pois o risco era elevado e os bancos já não emprestavam e também não lhes convinha que houvesse gente a falir lá no bairro porque os bancos emprestaram a todos e podiam ficar alarmados e descobrir que afinal no bairro nem todos eram tão ricos como pareciam. Os vizinhos decidiram emprestar um dinheirão mas não iam dar tudo ao vizinho estroina que gasta mais do que tem, decidiram que iam controlar se ele ajustava as contas e emprestavam em tranches em que a tranche seguinte dependia do facto dele estar a cumprir com o planeado ou não.
O senhor rico chegou a casa, falou com ar sério que estavam muito mal, que tinham que cortar nas despesas pois gastava-se mais do que se ganhava naquela casa e ele iria fazer um trabalho sério e justo para dividir os sacrifícios por todos e que daí a pouco iram todos voltar a viver melhor, não demoraria mais do que um par de anos para viverem todos à grande e à francesa pois ele até já via sinais da retoma.
Cortou nos salários dos jardineiros, dos motoristas e do exército de empregados, aos mordomos e governantas pediu que fossem mais comedidos e que parecessem agastados com a crise mas deixou as mordomias, e o caviar continuou a vir porque sem comer não se consegue viver. Cortou no subsidio de Natal e de férias, os empregados ficaram chateados e foi-se vivendo com o dinheiro que os vizinhos emprestaram. Quando os empregados reclamavam das dificuldades e do que lhes estava a acontecer porque estavam quase a passar fome ele dizia que a culpa era dos vizinhos, esses vizinhos agiotas a quem até chamava nomes é que eram a causa de tudo isso porque estavam a ganhar com a desgraça deles. Esses vizinhos é que lhe tinham vendido aquelas bugigangas todas de que todos eles gostavam e davam imenso jeito mas foi a custo da felicidade deles todos e esses vizinhos é que o estavam a obrigar a cortar nos gastos e não havia mais hipótese, era nos salários que ele tinha que cortar porque é essa a despesa da casa.Os vizinhos, principalmente aquela vizinha alemã, aquela alemã feia que nem um bode... eles são os verdadeiros culpados porque tinham-no feito gastar tudo, foram eles que fizeram com que os bancos lhe emprestassem dinheiro e no final ainda iam ganhar com tudo isso porque ele iria pagar juros, esses vizinhos deviam mais era estar presos porque eram uns perfeitos inconscientes. Os empregados ficaram a odiar aqueles vizinhos odiosos, que raio, o estupor da alemã era aquela que insistia mais, que não deixava gastar mais, que obrigava o pobre senhor a ser mais poupado pois caso contrário não emprestaria o dinheiro dela e ela era quem tinha posto a fatia de leão da vaquinha que tinham feito, era realmente o demónio aquela alemã, cheia de ideias demoníacas. Para dizer a verdade, penso que nem o demónio conseguiria suportar a companhia de uma bruxa com tais ideias como vizinha.
O senhor cortou bem nos salários, ficou com subsídios ameaçou tirar os seguros de saúde e fechar umas casotas de ferramenta nas partes mais distantes do jardim, tentou fechar algumas torneiras de rega... nem tudo o que planeou fazer conseguiu pois havia sempre quem protestasse mas correu tudo bem e o dinheiro dos vizinhos veio e não houve tumultos de maior entre a criadagem. Continua a gastar mais do que ganha, a dívida até cresceu porque entretanto, mesmo com o dinheiro dos vizinhos a cair no bolso ele falou com uma e outra casa de empréstimos para 'testar a sorte' e alguns empestaram. Hoje, a dias de distância do dia em que os vizinhos vão levar o tranche final do empréstimo fala-se do 'final do programa de assistência' em 'fim do resgate' e no que irá acontecer 'depois do resgate'.

Já vos disse que sou bem burrinho mas devo ser bem mais do que imagino. Será que sou só eu que acho que a coisa não vai correr nada bem? Porquê que toda a gente chama de 'fim do programa de resgate' ao dia em que trazem o ultimo resto do dinheiro que os vizinhos juntaram? O fim não é quando o senhor pagar a dívida aos vizinhos e os juros que lhes prometeu? Que raio, sou só eu que acho que não é solução o milagre de, depois da última tranche, conseguir que os bancos emprestem de novo ao senhor? Sou só eu que acho que se a dívida continua sempre a crescer mais tarde ou mais cedo o senhor vai ter que ir pedinchar aos vizinhos de novo? Sou só eu que acho que gastar um pouquinho menos mas ainda assim ficar a gastar muito mais do que se ganha não é a solução?
Não é preciso mudar de governo, não é cortando num subsidio, algo que custa a todos,  que se resolve. É preciso mudar mentalidades, é preciso ser um pouco menos exigente, é preciso perder um pouco de conforto. Fechar um tribunal é algo chato? é capaz de ser, eu nunca vou ao tribunal mas é preciso fechar alguns. Diminuir o número de juntas é algo horrivel? sim aposto que é, mas é preciso. Ter menos concelhos é fod***, eh pá, é algo inimaginável mas é preciso. Ter coisas a funcionar custa dinheiro, é preciso pagar, ter uma porta aberta significa ter dinheiro a sair do bolso. Habituá-mo-nos a ter tudo à porta e se nos dizem para ir um pouco ao lado vemos logo um monte de problemas e a verdade é que seja o que for que se faça e que seja um retrocesso vai criar sempre problemas a alguém mas esses pequenos problemas são muito mais pequenos do que se a coisa correr mesmo mal, quando os vizinhos não emprestarem o senhor não vai pagar, quando os funcionários públicos não receberem porque não há dinheiro aí sim vai haver problemas.
Eu tive que mudar e sair do bairro rico e trabalhar num bairro pobre onde há crescimento, onde há trabalho e noto alguma picuinhez, mesquinhez aí no quintal dos ricos. Não digo que os sacrifícios não doam, não digo que depois de tantos sacrifícios não custe olhar e ver que nada foi conseguido, não digo que o povo não seja quem se esforçou e quem sofreu por ver as coisas melhorar, mas digo que é mesquinhez fazer revoluções porque a freguesia da pardieira vai ser unida à do ninho-do-fim-do-mundo. Podem unir a minha freguesia com outra qualquer, em trinta anos devo ter ido uma vez à junta de freguesia e se fosse três quilómetros ao lado tinha sido mais chato mas teria ido na mesma. Podem fechar o tribunal da minha terra de três pessoas, caramba, só quem trabalha no tribunal é que tem que ir lá mais do que três ou quatro vezes na vida. Reclama-se se fecha um qualquer serviço no hospital de Ovar e as pessoas têm que ir à Feira, 5Km ao lado, reclama-se porque vão fechar a escola que tem 12 alunos e isso já é mais um do que o que diz a lei e os pequenos têm que fazer 3Km num carro da câmara. Doze alunos não dá quatro por ano, é óbvio que quando não se tem dinheiro tem que se juntar esses alunos com outros.
É preciso exigir que cortem no caviar? sim, é. É preciso exigir que se acabem com as mordomias, sim é? É preciso exigir e reivindicar isso mas ao mesmo tempo ter a consciência que é algo que não se vai conseguir, no tempo de uma vida, com conversas, é preciso mais do que falar, mais do que votar para o conseguir, os poderes instalados falam de cortar no caviar mas é apenas conversa, quem controla são eles, não é por mudarmos de governo daqui a um ou dois anos que algo vai mudar... ganham todos, quer estejam no governo quer não, nunca vão cortar no que é deles, estão lá é para olharem por si e pelos seus não é convosco que estão preocupados.

As coisas estão mal... muito mal, mas a meu ver não se resolveu nada, vão ficar pior, não é o fim do programa de financiamento é apenas a ultima tranche, é preciso mais empréstimos para viver. O fim não chegará nunca, pagar 70 mil milhões quando não se ganha para o que se come é tarefa difícil.

Não tenho cor politica, para dizer a verdade até tenho asco a política, acho que a sul do paralelo 46 (um pouco abaixo da Alemanha, ali onde a Suiça se separa da Itália) só se preocupam todos com o seu umbigo, não conseguem ver mais longe do que a sua barriga, não têm consciência e não se conseguem colocar no lugar do outro nem ver mais do que os seus próprios olhos permitem (quase só conseguem ver o que brilha) e não olham a meios para conseguir o que querem. Tenho vergonha dos nossos políticos e acho que são uma vergonha para eles próprios e para todos os cidadãos que representam. As soluções melhores que têm é dizer que têm que ser eles a ir para o poleiro porque quando eles forem vão fazer com que haja crescimento e criação de empregos sem nunca dizerem como raio vão conseguir tal milagre.
Infelizmente acho que os nossos jornalistas também são de péssima qualidade e em vez de tentarem esclarecer as pessoas preferem parecer muito inteligentes e intelectuais e utilizar os termos fancy que os políticos inventam para poderem dizer que gastam mais do que podem sem que as pessoas percebam, para poderem dizer que é o fim da troika em vez de chamar as coisas pelos nomes e dizerem que é a ultima parte do guito que nos emprestaram para salvar a pele e a data em que o ficamos a dever todo. Deixam que as culpas caiam em cima de quem fez o favor de aceder ao nosso pedido em vez de serem os verdadeiros culpados a serem chamados a responder.
A verdade é que somos todos hipócritas, queremos que o estado diminua desde que não seja a nossa freguesia, o nosso tribunal ou a nossa escola a ser diminuída. Queremos que o estado corte nas despesas desde que não seja a nossa ADSE, a nossa idade de reforma que era inferior à de quem trabalha no privado ou as nossas horas de trabalho que eram menos que a do resto dos portugueses que tem que trabalhar 40 horas a vida toda. Queremos que tudo se resolva... desde que seja com esforço dos outros.


Ainda bem que mudei de bairro.