segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Ganhar asas...




Alguma vez vos pareceu que quase conseguiam voar?

Não me acontece todos os dias, para dizer a verdade nem me lembro de quando o senti pela última vez... mas por umas três ou quatro vezes na vida pareceu-me que era capaz de voar por alguns segundos.
Eu e a minha sapinha por vezes dá-nos uma de ir correr para o calçadão na ilha de Luanda, não é para perder a barriga nem para ser mais saudável é só para exercitar um pouco estes músculos flácidos. Andamos mais do que corremos mas damos sempre uma corridinha, por cada passada minha ela tem que dar umas três e um dia destes, enquanto corria, lembrei-me que quando ainda tinha a minha juventude aconteceu sentir que quase voava.

O caminho de casa para a universidade eram uns dois ou três quilómetros que eu percorria a pé todos os dias, alguns por duas vezes (ir e voltar) outros quatro (quando ia almoçar a casa). Lembro-me que uma ou outra vez vez corri, já não sei porquê, talvez estivesse atrasado, ou talvez só me apetecesse correr. Houve um dia em que alarguei mais o passo (tenho umas pernas compridas) e a dada altura dei por mim a saltar que nem uma gazela de thompson e talvez só parecesse um miúdo tonto a correr de forma ridícula mas a verdade é que ficava no ar por mais tempo do que aquele que parecia lógico, a cada passada sentia que ficava suspenso por breves instantes antes de voltar a poisar os pés no chão e parecia que em cada passada conseguia voar por um segundo.

Lembro-me de outra vez em que descia os degraus de uma qualquer escadaria três a três (tenho pernas compridas) e como três degraus é fruta a mais para umas pernas, mesmo que compridas, o pé de trás tinha que levantar antes do da frente sentir o chão. O calcanhar do pé da frente quase que tocava no degrau anterior àquele em que iria poisar, o que me faria ir com a cara ao chão e rebolar escadaria abaixo, mas dava a sensação que algo fazia com que ficasse suspenso no ar umas milésimas de segundo a mais do que que seria racionalmente espectável e acabava por aterrar no degrau desejado e por momentos, por breves momentos, em cada um daqueles saltos, quando estava no ar parecia que conseguia voar por um nadinha.

Quando já era maiorzinho, mais responsável e respeitável e já tinha um trabalho decente, esse trabalho levou-me quase sempre ao último piso de todos os edifícios que visitei. Quem no seu trabalho passa o tempo a ir ao último piso de diversos edifícios não perde a oportunidade de ver o mundo de uma perspectiva diferente e de, pelo menos nos mais altos, ir ao terraço ver o quão pequeninas as pessoas são quando vistas lá de cima, como os automóveis parecem os carrinhos de brincar da infância, de ver até onde a vista alcança e se afinal está ou não no ponto mais alto da cidade. Eu nunca perco a oportunidade.
Pois bem, eu não tenho instintos suicidas caso assim fosse não estaria agora a escrever, mas já me aconteceu, por mais do que uma vez, quando estou bem lá no cimo a olhar para baixo (ei... nunca estou na beirinha do precipício, não imaginem a coisa com tanto dramatismo, os terraços têm sempre um muro), a sentir o vento forte contra o peito, caramba... já dei por mim a pensar que com aquele vento, daquela altura, se calhar era possível, qual será a sensação? mas algo fez com que eu voltasse à razão e dissesse a mim mesmo que era um nadinha estúpido e que ia esborrar-me (esborrachar-me + borrar-me) todo no chão lá em baixo o que não ia ficar nada bonito e era bem capaz de chocar um ou outro transeunte.

Isto tudo para dizer o quê? Que decidi que vou voar.
Aos 30 anos decidi que havia de andar de mota e comprei a minha Suzuki VStrom 650, fui tirar a carta e sem que nunca antes tivesse andado em qualquer motoreta passei a andar de mota todos os dias, com chuva ou com sol. Agora, em Angola, a minha ‘maria bolacha’ não me deixa ter uma mota (e eu que queria tanto gastar um dinheirão para ter o novo modelo da VStrom). Acha que só os loucos e desajuizados se metem numa mota em cidades onde não há regras de trânsito. Eu como até concordo com ela, aos 33 deu-me para voar.
Vou ganhar asas e voar, para ser mais preciso, vou ganhar dinheiro para comprar uma asa de parapente e depois vou ter que ter um montão de aulas para aprender a voar e um dia, um dia que ainda vem longe (só vou poder ter aulas nas férias, duvido que haja instrutores de parapente em Angola) vou levantar voo do heliporto da Sonangol, ou do terraço da ESCOM e serei o primeiro maluco a voar sobre os céus de Luanda e a aterrar numa qualquer praia da ilha, ou nos jardins da nova marginal que por essa altura já estará acabada. Será que se pode voar nas cidades? Se calhar vou acabar preso.

Vocês podem não acreditar mas um dia os habitantes de Luanda vão olhar para cima e ver um estranho ponto no céu. Esse ponto serei eu.

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sábado, 24 de setembro de 2011

Sê gentil sempre que for possível.




África faz-nos sentir pequeninos, basta sair da cidade e percorrer uma qualquer estrada para notarmos que aqui o mundo é diferente, é maior. 
Andamos centenas de quilómetros sem ver mais do que mato e quando passamos num qualquer kimbo de meia dúzia de casas percebemos que afinal é possível viver sem ter nada daquilo que pensávamos ser essencial. Os kimbos aqui não têm água nem luz, têm apenas uns casinhotos feitos de madeira ou de tijolos de terra com telhados de colmo ou chapa de zinco. Não têm ruas asfaltadas nem passeios (isso nem a maioria das cidades tem) têm apenas terra entre as casas, não têm lojas nem restaurantes, têm, aqueles que são maiorzitos, apenas uma escola e um centro de saúde minúsculo. Ainda assim, ao passar, vejo os pequenos a ir a pé pela estrada sorridentes a caminho da escola que fica na aldeia ao lado e levam, para além dos livros, uma cadeira de plástico debaixo do braço. Oiço crianças rir enquanto brincam num rio navegando na sua pequena jangada feita de três troncos de bananeira e mulheres a cantar enquanto se lavam ou lavam a roupa no rio.

Depois uma pessoa chega a casa e liga a televisão para descobrir que aí na tuga fazem manifestações porque estão a pensar fechar a escola e as crianças terão que ir, num qualquer transporte que a câmara disponibilizará, para uma outra escola numa outra aldeia a 4Km de distância. Uma pessoa até se sente mal e pensa ‘caramba, quatro quilómetros são 5 minutos de carro, aqui alguns miúdos com mais sorte que outros têm uma cadeirinha que podem levar para não terem que se sentar no chão’.

Um gajo decide sair de casa e ir jantar com a sua doninha a um qualquer restaurante e não demora muito para se aperceber que devia ter ficado a ver televisão... há um ano e pouco atrás, quando cheguei, aquilo que me causava mais impressão era a lentidão dos empregados de mesa, o facto de ter que esperar horas e horas pelo manjar pelo qual iria pagar uma pequena fortuna, mas agora que tenho frequentado restaurantes mais céleres e também mais dispendiosos noto que afinal não é isso o pior dos restaurantes. Aquilo que causa mais asco, o pior mesmo, são as pessoas, os clientes. As pessoas, quando se sentem pequeninas, assim que têm algum dinheiro no bolso ficam com o rei na barriga e ficam todas inchadas a pensar que afinal são muito importantes e que sem eles este mundo não existiria. E o que há de melhor para ficar ainda mais importante? Destratar outras pessoas, falar de cima e com desprezo e é vê-los a inchar e inchar, cada vez mais importantes cada vez com mais antipatia... poxa, não custa nada ser simpático, não se paga mais por ser simpático e se fizermos alguém sorrir não vamos perder nada só damos e ganhamos um pouco de felicidade. Aqui há dias estava com a Timbi num bom restaurante onde o serviço e a comida são excelentes e ao nosso lado estava uma mesa de 8 tugas em que pela certa nem conseguiram desfrutar da boa comida pois passaram o tempo todo a destratar os empregados de mesa, até parecia que cada naco de antipatia que lançavam ao empregado rendia créditos de importância no seio dos seus amigos. Até eu e a Tini quase nos engasgávamos com os lombinhos de lagosta envoltos em bacon.
Uns dias antes fomos a uma pizzaria e mesmo ao nosso lado estavam duas pequenas angolanas que não deviam ter mais de 16 ou 17 anitos e durante todo o jantar não conseguiram dirigir uma frase ao empregado de mesa que não fosse recheada de antipatia, reclamavam de tudo e de nada, principalmente coisas sem sentido.

Eu sou feliz, o pedaço de vida que já vivi deu-me tudo aquilo que podia esperar dela. Eu só queria ser tão sortudo como sou e talvez por isso tento ser boa pessoa todos os dias.
É verdade que não sou perfeito, e às vezes também stresso aqui com os porteiros do prédio quando deixam, mais uma vez, que me roubem o meu tão apreciado lugar de estacionamento, mas também, caramba, eles deixam que isso aconteça todos os dias, ou à hora do almoço, ou à noite ou em ambos os momentos.
Quem me conhece sabe que a simpatia não é uma das minhas melhores qualidades, sou pessoa de respostas curtas e secas mas também não sou antipático de forma gratuita, não trato mal os outros sem mais nem quê, apenas porque apetece ou porque isso possa impressionar os meus amigos e fico triste se vejo alguém destratar outras pessoas.

Não tenho nada para ensinar porque não sei mais nem sou melhor que ninguém mas o meu conselho para ti, triste que me lês, é que se não gostas do que fazes então faz o que gostas. Não julgues os outros pelo que são ou o que fazem, o outro não é pior por ser diferente ou fazer diferente. Faz alguém sorrir, vais ganhar felicidade. Faz um estranho sorrir. Sorri todos os dias.

Eu sei que o JC vos prometeu a todos que do outro lado espera-vos uma vida melhor e é lá que está a felicidade mas é preciso ter presente que há o risco de ele ter mentido, pode não estar ninguém à vossa espera do outro lado, o melhor mesmo é ser feliz aqui agora. Não passes a vida toda apenas à espera da vida toda.

Gandhi uma vez disse ‘não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho’.

Esta é do Dalai Lama ‘Sê gentil sempre que for possível. É sempre possível’.

Até à próxima,
Bernardo Marques.