sábado, 30 de novembro de 2013

O último dia foi ontem

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Hoje estou bastante afectado... não liguem se escrever algo de estranho...

Como vocês todos sabem ontem caiu, no norte da Namíbia, um avião da LAM que voava de Maputo para Luanda. É triste quando isso acontece, morreram as 34 pessoas que iam de Maputo para Luanda, pessoas como eu. Não, eu não conhecia ninguém que fosse naquele voo e não é por isso este acidente mais triste que todos os outros acidentes da aviação civil.
 
A diferença entre este acidente e os outros é que eu estava em Maputo, vindo de Luanda e iria regressar a Luanda pelo que podia muito bem ter sido eu.
 
Mais do que isso, quando marquei a viagem não tinha uma data certa para regressar e escolhi o regresso a 30 de Novembro um pouco ao calha. Recebi um email como resposta que dizia que a viagem de 30 teria que ser feita com escala em Joanesburgo e a perguntar se não preferia voar a 29 de Novembro que seria um voo directo (os voos directos são os da LAM). Pensei na altura que o regresso seria para alterar de certeza por isso não valia a pena estar a gastar tempo a pensar em coisas pequeninas.
 
Muito mais do que isso, a diferença entre este acidente e todos os outros é que há uma semana atrás era sábado e eu estava em Maputo e não sabia para quando estava marcada a viagem de regresso mas lembrava-me que era para alterar. Nesse dia eu decidi que voltaria a casa na sexta. Falei com colegas e disse que voltaria para Luanda na sexta-feira, falei com amigos e disse que estaria em Maputo apenas até sexta-feira falei com a Tini e disse-lhe que na sexta voltaria a estar em casa. Nesse dia à noite liguei o computador para enviar um email ao Sérgio e pedir para alterar o meu regresso, que já não sabia para quando estava marcado, para a sexta-feira seguinte, dia 29 de Novembro. Fui procurar o email da minha viagem para enviar como resposta o pedido de alteração e foi aí que vi que regressaria no sábado às 7h... pensei que não valia a pena gastar dinheiro para ir umas horas mais cedo e deixei o regresso inalterado. Quando disse à Tini que ia no sábado ela ficou 'oooh, mas não vinhas na sexta?'.
 
Pois, é isso, estão a ver a coisa... não é apenas um avião que caiu e eu vou fazer a mesma viagem, não, é que foi por nada, foi por preguiça, foi por sorte, foi por um mero acaso, foi porque a morte não quis, a verdade é que eu quase estive naquele avião, foi pura coincidência o facto de não estar e estou feliz por não ter estado, sim estou... mas ao mesmo tempo dói... caramba, ontem... ontem teria sido o meu último dia. Ficava tanta coisa por fazer... mas como se faz? Como é que faço para não sentir que deixo tudo por fazer? Porquê que eu quero tanto mais? Como faço para sentir que posso cair em paz porque já tive o que era para mim e já dei o que era para os outros? Desta vez passou-me ao lado... mas a passar assim tão perto... estou com a sensação que não demora muito para acertar.
 
O último dia foi ontem. Já passou. Todos os outros são bónus.
 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Nú com a mão no bolso


Hoje estive a ver as noticias e por diversas vezes uma ou outra pessoa falou no fim do programa de resgate e o que iria acontecer depois do final do programa de resgate e coisas associadas, houve até quem estivesse a discutir ou a fazer previsões.
Eu sei que sou apenas um bronco e tenho a felicidade de a minha aparência exterior dar a impressão de que sou um gajo inteligente mas não consigo perceber puto destes problemas complicados. Só consigo perceber coisas simples por isso tenho que pensar em analogias mais fáceis de perceber.
Fazendo uma analogia das contas do país com aquelas de casa vamos supor que o governo não é mais do que um gajo rico (sim, Portugal é um país rico) que vive num condomínio de luxo de vizinhos ainda mais ricos. Ou seja é o wannabe lá do bairro, o vizinho que até estava bem num bairro de classe média mas quer fazer parte dos ricos e por isso está no condomínio de luxo.
Eu sei bem que as vossas cabeças pequeninas vos puseram a imaginar um condomínio com apartamentos muito bonitos e uma relvinha lá em baixo mas isso é só porque vocês têm cabeças pequeninas, eu estou a falar de uma coisa de ricos à séria, daquelas com mansões enormes de cinquenta quartos, grandes terrenos, um sitio com o espaço que um gajo precisa para ser feliz que dê para passear a cavalo pelo jardim.
Este rico que é bem rico mas não passa de um wannabe ao pé dos outros teve o incentivo dos verdadeiros ricos lá do bairro, gajos com kumbu aos montes, Steves Jobs e Billes Gates lá do sitio e mudou-se para uma dessas mansões, tudo à grande, com magotes de jardineiros a trabalhar para ter tudo bonito, com governantas e mordomos, motoristas e um exercito de empregados (esta gente são vocês, o senhor é o governo, a mansão e os jardins são o país). Este rico apanhou-se com uns trocos no bolso e pôs-se a comprar estores electricos, banheiras de hidromassagem para as casas de banho da mansão e dos empregados, espalhou campos de ténis pelo jardim, comprou carrinhos de golfe, mandou  relvar a parte do jardim que estava em terra, portões eléctricos e as outras cenas todas que eu nem sei que existem mas que são boas de ter. Os bancos sabiam que ele era rico, vivia no condomínio dos ricos e emprestaram-lhe dinheiro sem olhar a contas. Grande parte das coisas que o triste comprava eram feitas nas empresas dos vizinhos ricos e estes diziam ao banco que era seguro emprestar, que ele era lá do bairro e era investimento seguro.
Chegou a crise (eh pá, neste caso vamos imaginar que chega a todos, até aos ricos) e os bancos começaram a olhar a quem emprestam, os vizinhos começaram a falar que era precisou não gastar à bruta e tal e o senhor de que fala esta história achou também que talvez fosse hora de poupar e deixar de gastar à toa, até pensou deixar de comprar o caviar... ia só fazer mais umas obras que já tinha pensado para melhorar a mansão e empedrar mais uns caminhos pelo jardim mas coisa pouca, nada dos exageros de antes, fez as continhas todas e viu que para pagar as prestações dos empréstimos que tinha pedido, para pagar aos empregados, os contratos para a manutenção de tudo o que tem, os arranjos dos caminhos que se estragam com o tempo, a luz da casa e a água das piscinas e da rega até não estava mal, juntando o caviar para se alimentar (sim aquilo de cortar no caviar ele só pensou nunca chegou realmente a fazer) só tinha que ir sempre, todos os meses, pedir um pequeno empréstimo ao banco e estava safo. A verdade é que se safou, durante os primeiros anos não teve problemas a sério, ia, pedia e emprestavam, até que a divida ficou gorda de mais, as prestações aumentaram e os bancos começaram a criar problemas.
Quando os bancos deixaram de emprestar, quando já nenhum banco aceitava emprestar dinheiro o senhor viu-se mal, tinha que pagar a todos os empregados e a verdade era que até tinha contratado mais do que precisava, tinha que pagar prestações e a manutenção de tudo e foi falar com os vizinhos. Pediu que fizessem uma vaquinha entre todos e juntassem dinheiro para ele conseguir endireitar a vida, em troca iria ajustar as suas contas e em breve estaria de volta à boa vida e poderia pagar o empréstimo aos vizinhos com um bom juro, no final eles até ficariam a ganhar. Aos vizinhos até lhes convinha, iam emprestar com um juro jeitoso pois o risco era elevado e os bancos já não emprestavam e também não lhes convinha que houvesse gente a falir lá no bairro porque os bancos emprestaram a todos e podiam ficar alarmados e descobrir que afinal no bairro nem todos eram tão ricos como pareciam. Os vizinhos decidiram emprestar um dinheirão mas não iam dar tudo ao vizinho estroina que gasta mais do que tem, decidiram que iam controlar se ele ajustava as contas e emprestavam em tranches em que a tranche seguinte dependia do facto dele estar a cumprir com o planeado ou não.
O senhor rico chegou a casa, falou com ar sério que estavam muito mal, que tinham que cortar nas despesas pois gastava-se mais do que se ganhava naquela casa e ele iria fazer um trabalho sério e justo para dividir os sacrifícios por todos e que daí a pouco iram todos voltar a viver melhor, não demoraria mais do que um par de anos para viverem todos à grande e à francesa pois ele até já via sinais da retoma.
Cortou nos salários dos jardineiros, dos motoristas e do exército de empregados, aos mordomos e governantas pediu que fossem mais comedidos e que parecessem agastados com a crise mas deixou as mordomias, e o caviar continuou a vir porque sem comer não se consegue viver. Cortou no subsidio de Natal e de férias, os empregados ficaram chateados e foi-se vivendo com o dinheiro que os vizinhos emprestaram. Quando os empregados reclamavam das dificuldades e do que lhes estava a acontecer porque estavam quase a passar fome ele dizia que a culpa era dos vizinhos, esses vizinhos agiotas a quem até chamava nomes é que eram a causa de tudo isso porque estavam a ganhar com a desgraça deles. Esses vizinhos é que lhe tinham vendido aquelas bugigangas todas de que todos eles gostavam e davam imenso jeito mas foi a custo da felicidade deles todos e esses vizinhos é que o estavam a obrigar a cortar nos gastos e não havia mais hipótese, era nos salários que ele tinha que cortar porque é essa a despesa da casa.Os vizinhos, principalmente aquela vizinha alemã, aquela alemã feia que nem um bode... eles são os verdadeiros culpados porque tinham-no feito gastar tudo, foram eles que fizeram com que os bancos lhe emprestassem dinheiro e no final ainda iam ganhar com tudo isso porque ele iria pagar juros, esses vizinhos deviam mais era estar presos porque eram uns perfeitos inconscientes. Os empregados ficaram a odiar aqueles vizinhos odiosos, que raio, o estupor da alemã era aquela que insistia mais, que não deixava gastar mais, que obrigava o pobre senhor a ser mais poupado pois caso contrário não emprestaria o dinheiro dela e ela era quem tinha posto a fatia de leão da vaquinha que tinham feito, era realmente o demónio aquela alemã, cheia de ideias demoníacas. Para dizer a verdade, penso que nem o demónio conseguiria suportar a companhia de uma bruxa com tais ideias como vizinha.
O senhor cortou bem nos salários, ficou com subsídios ameaçou tirar os seguros de saúde e fechar umas casotas de ferramenta nas partes mais distantes do jardim, tentou fechar algumas torneiras de rega... nem tudo o que planeou fazer conseguiu pois havia sempre quem protestasse mas correu tudo bem e o dinheiro dos vizinhos veio e não houve tumultos de maior entre a criadagem. Continua a gastar mais do que ganha, a dívida até cresceu porque entretanto, mesmo com o dinheiro dos vizinhos a cair no bolso ele falou com uma e outra casa de empréstimos para 'testar a sorte' e alguns empestaram. Hoje, a dias de distância do dia em que os vizinhos vão levar o tranche final do empréstimo fala-se do 'final do programa de assistência' em 'fim do resgate' e no que irá acontecer 'depois do resgate'.

Já vos disse que sou bem burrinho mas devo ser bem mais do que imagino. Será que sou só eu que acho que a coisa não vai correr nada bem? Porquê que toda a gente chama de 'fim do programa de resgate' ao dia em que trazem o ultimo resto do dinheiro que os vizinhos juntaram? O fim não é quando o senhor pagar a dívida aos vizinhos e os juros que lhes prometeu? Que raio, sou só eu que acho que não é solução o milagre de, depois da última tranche, conseguir que os bancos emprestem de novo ao senhor? Sou só eu que acho que se a dívida continua sempre a crescer mais tarde ou mais cedo o senhor vai ter que ir pedinchar aos vizinhos de novo? Sou só eu que acho que gastar um pouquinho menos mas ainda assim ficar a gastar muito mais do que se ganha não é a solução?
Não é preciso mudar de governo, não é cortando num subsidio, algo que custa a todos,  que se resolve. É preciso mudar mentalidades, é preciso ser um pouco menos exigente, é preciso perder um pouco de conforto. Fechar um tribunal é algo chato? é capaz de ser, eu nunca vou ao tribunal mas é preciso fechar alguns. Diminuir o número de juntas é algo horrivel? sim aposto que é, mas é preciso. Ter menos concelhos é fod***, eh pá, é algo inimaginável mas é preciso. Ter coisas a funcionar custa dinheiro, é preciso pagar, ter uma porta aberta significa ter dinheiro a sair do bolso. Habituá-mo-nos a ter tudo à porta e se nos dizem para ir um pouco ao lado vemos logo um monte de problemas e a verdade é que seja o que for que se faça e que seja um retrocesso vai criar sempre problemas a alguém mas esses pequenos problemas são muito mais pequenos do que se a coisa correr mesmo mal, quando os vizinhos não emprestarem o senhor não vai pagar, quando os funcionários públicos não receberem porque não há dinheiro aí sim vai haver problemas.
Eu tive que mudar e sair do bairro rico e trabalhar num bairro pobre onde há crescimento, onde há trabalho e noto alguma picuinhez, mesquinhez aí no quintal dos ricos. Não digo que os sacrifícios não doam, não digo que depois de tantos sacrifícios não custe olhar e ver que nada foi conseguido, não digo que o povo não seja quem se esforçou e quem sofreu por ver as coisas melhorar, mas digo que é mesquinhez fazer revoluções porque a freguesia da pardieira vai ser unida à do ninho-do-fim-do-mundo. Podem unir a minha freguesia com outra qualquer, em trinta anos devo ter ido uma vez à junta de freguesia e se fosse três quilómetros ao lado tinha sido mais chato mas teria ido na mesma. Podem fechar o tribunal da minha terra de três pessoas, caramba, só quem trabalha no tribunal é que tem que ir lá mais do que três ou quatro vezes na vida. Reclama-se se fecha um qualquer serviço no hospital de Ovar e as pessoas têm que ir à Feira, 5Km ao lado, reclama-se porque vão fechar a escola que tem 12 alunos e isso já é mais um do que o que diz a lei e os pequenos têm que fazer 3Km num carro da câmara. Doze alunos não dá quatro por ano, é óbvio que quando não se tem dinheiro tem que se juntar esses alunos com outros.
É preciso exigir que cortem no caviar? sim, é. É preciso exigir que se acabem com as mordomias, sim é? É preciso exigir e reivindicar isso mas ao mesmo tempo ter a consciência que é algo que não se vai conseguir, no tempo de uma vida, com conversas, é preciso mais do que falar, mais do que votar para o conseguir, os poderes instalados falam de cortar no caviar mas é apenas conversa, quem controla são eles, não é por mudarmos de governo daqui a um ou dois anos que algo vai mudar... ganham todos, quer estejam no governo quer não, nunca vão cortar no que é deles, estão lá é para olharem por si e pelos seus não é convosco que estão preocupados.

As coisas estão mal... muito mal, mas a meu ver não se resolveu nada, vão ficar pior, não é o fim do programa de financiamento é apenas a ultima tranche, é preciso mais empréstimos para viver. O fim não chegará nunca, pagar 70 mil milhões quando não se ganha para o que se come é tarefa difícil.

Não tenho cor politica, para dizer a verdade até tenho asco a política, acho que a sul do paralelo 46 (um pouco abaixo da Alemanha, ali onde a Suiça se separa da Itália) só se preocupam todos com o seu umbigo, não conseguem ver mais longe do que a sua barriga, não têm consciência e não se conseguem colocar no lugar do outro nem ver mais do que os seus próprios olhos permitem (quase só conseguem ver o que brilha) e não olham a meios para conseguir o que querem. Tenho vergonha dos nossos políticos e acho que são uma vergonha para eles próprios e para todos os cidadãos que representam. As soluções melhores que têm é dizer que têm que ser eles a ir para o poleiro porque quando eles forem vão fazer com que haja crescimento e criação de empregos sem nunca dizerem como raio vão conseguir tal milagre.
Infelizmente acho que os nossos jornalistas também são de péssima qualidade e em vez de tentarem esclarecer as pessoas preferem parecer muito inteligentes e intelectuais e utilizar os termos fancy que os políticos inventam para poderem dizer que gastam mais do que podem sem que as pessoas percebam, para poderem dizer que é o fim da troika em vez de chamar as coisas pelos nomes e dizerem que é a ultima parte do guito que nos emprestaram para salvar a pele e a data em que o ficamos a dever todo. Deixam que as culpas caiam em cima de quem fez o favor de aceder ao nosso pedido em vez de serem os verdadeiros culpados a serem chamados a responder.
A verdade é que somos todos hipócritas, queremos que o estado diminua desde que não seja a nossa freguesia, o nosso tribunal ou a nossa escola a ser diminuída. Queremos que o estado corte nas despesas desde que não seja a nossa ADSE, a nossa idade de reforma que era inferior à de quem trabalha no privado ou as nossas horas de trabalho que eram menos que a do resto dos portugueses que tem que trabalhar 40 horas a vida toda. Queremos que tudo se resolva... desde que seja com esforço dos outros.


Ainda bem que mudei de bairro.

 


terça-feira, 23 de abril de 2013

Maria Teresa



no sábado passado, de manhã fui ver um problema no BESA, ali em baixo na Mutamba, ao pé da Sonangol... e ali, entre o BESA, Sonangol e a pastelaria Mensagem, na rua que vem da Mutamba para essa zona costuma estar a Maria Teresa sentada no chão. Eu já a conheço de há muito tempo... nem sempre a vejo, nem sempre vou para aquela zona ao sábado. Antigamente ia bué vezes, porque ia muito para a Sonangol... mas agora não.
A Maria Teresa fica sentada no passeio à espera que alguém lhe dê algo... e eu costumava dar-lhe sempre 500 paus, a Maria Teresa era como que o meu limpar de alma... era como que o meu lavar de mãos... dou 500 paus a esta senhora e isso faz de mim boa pessoa... é como ir à missa para uns ou confessar-se para outros.
Aqui há uns meses largos, a meio do ano passado, parei ao pé dela, e em vez de lhe dar apenas os 500 paus do costume baixei-me e perguntei-lhe o nome. Ela disse-me que era a Maria Teresa e eu disse-lhe: 'Olha Maria Teresa, eu tenho uma dívida muito grande com Deus e sei que nunca lhe vou conseguir pagar... por isso vou dar-te a ti.' e dei-lhe duas notas de valor bem mais alto do que as do costume.
Eu não sou religioso, bem pelo contrário... tenho uma certa aversão à religião, acho que foi criada para limitar o pensamento das pessoas, noto, em algumas pessoas, frases feitas que foram marteladas pela religião e lhes saem da boca sem passarem pelo pensamento e que, entre outras coisas, fizeram com que eu não nutrisse qualquer carinho pela religião. Não condeno quem acredita e quem segue... mas acho que serve apenas para colocar as ovelhas todas no rebanho e as manter certinhas. Como uma qualquer ovelha que saíu do rebanho e gosta de passear por outras pastagens, de descobrir mundos novos... parece-me que o rebanho é um pouco limitado e que as ovelhas conseguem ser mais felizes se pastarem à balda pelos campos e comerem as ervas que o pastor não deixa.
No sábado passado fui ao BESA e ela estava lá, eu dei-lhe os 500 paus do costume e fui à pastelaria Mensagem comprar uma garrafa de água... e a garrafa era 200 paus... e eu fiquei naquela... poxa, caramba... como é que gasto 200 paus numa garrafinha pequena de água e espero lavar a alma toda só com 500? Fui até ao sitio onde a Maria Teresa estava sentada perguntei se me podia sentar uns minutos com ela e sentei no passeio. Enquanto as pessoas iam passando eu falei dois minutinhos com a Maria Teresa.
A Maria Teresa costuma estar ali todos os sábados e é uma senhora que tem a cara toda deformada por ter sido queimada... parece que a nossa pele é feita de plástico e alguém queimou a dela fazendo com que se derretesse, os olhos, o nariz, a boca... tudo derreteu e ficou deformado.
Eu sentei e pedi-lhe que me contasse a história dela, o que tinha acontecido para ficar assim. Ela contou-me, enquanto a voz lhe tremia, que quando era pequena, ia para as lavras com os pais e os homens atiraram uma granada, ela ficou assim e os pais morreram. Isso aconteceu na zona do Huambo quando ela tinha uns 14 anos ou assim, ela já não sabe bem. A Maria Teresa hoje tem 50 anos... suponho que passou uma vida inteira sem nunca ter alguém que a amasse, sem que nunca ninguém lhe dissesse como é bonita... e eu senti-me uma pessoa cheia de sorte. Dei-lhe todo o dinheiro que tinha no bolso (infelizmente não era mais do que uma nota grande) e ofereci-lhe a água que tinha comprado... e senti-me uma pessoa cheia de sorte.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Golfinhanço nas Palmeirinhas

No Domingo passado fomos à praia das Palmeirinhas.

Aquilo é logo ali, bem mais perto do que o Sangano ou Cabo Ledo, logo depois dos Ramiros, quando acabamos de passar pelo saco dos Flamingos, onde começa o braço de terra que é o Mussulo basta virar à direita e passado uns metros de estrada de terra, a primeira praia que vemos é a das Palmeirinhas.
Fica 100Km mais perto que Cabo Ledo. Para quem é lento das ideias e ainda não sabe onde é o meu telemóvel fez o favor de pintar um risco num mapa e ainda dá para partilhar esse risco com o mundo inteiro.
Maravilhosos tempos estes em que vivemos, com 100€ podemos comprar uma geringonça com um ecrã imenso e que tem um bichinho chamado android lá dentro que faz coisas maravilhosas. O meu pintou um risco no mapa, disse-me a velocidade a que andei e fez um gráfico com as elevações e depressões do terreno, posso vê-lo no google maps e ainda me deixa ver a viagem à velocidade a que fui no Google Earth, só é pena que o meu carro tenha andado mais depressa do que a velocidade da net aqui em Angola pelo que não se vê nada de jeito no Google Earth mas fiquei maravilhado com o Google My Tracks.
Fica aqui o link com o percurso entre a Samba e a praia das Palmeirinhas.

A praia das Palmeirinhas tem muita areia, muita água, muito sol, mas não tem palmeirinhas desenganem-se aqueles que pretendem procurar palmeirinhas.
Estivemos a nadar e a apanhar sol até que a dado momento alguém grita 'Olha ali um golfinho!!', eu olhei e não é que vi mesmo um golfinho a nadar logo ali, a poucos metros da areia? Os golfinhos são um animal que tem um efeito estranho nas pessoas. Não são como uma simples sardinha, ou um arenque, nada disso, ficámos todos maravilhados com os golfinhos, fomos para mais perto da água e ficamos ali com um sorriso parvo na cara apenas porque os golfinhos estão ali a golfinhar na água como sempre fazem. Tenho a certeza que estavam apenas a pensar em sardinhas e não foram ali para nos cumprimentar nem para nos alegrar, mas o facto de vermos aqueles lombos imensos a aparecer fora da água com a barbatana dorsal a aparecer primeiro enche-nos de emoção, ficamos alegres com o peito cheio de uma sensação de felicidade. Vimos um golfinho, depois eram três, afinal já eram seis, e dez, não, são doze. Ficamos com os olhos colados na água enquanto uma dúzia de golfinhos passava por ali.

- 'Olha ali, olha ali mais. Estão ali uns cinco.' - e todos olhávamos para aquele lado.
- 'Um deu um salto ali, viste?' - Aqueles que já só viam a espuma branca na água sentiam-se frustrados por terem perdido um salto (não houve mais que dois ou três saltos), os que viram sentiam-se um nadinha superiores - 'Ena, deu um salto enorme, saiu todo fora da água.'

Uma ou outra pessoa gritava - 'Saiam da água, pode ser tubarões, saiam da água.'
Um outro dizia - 'É uma orca, a barbatana estava dobrada e caída, são orcas.'
Mas na verdade eram golfinhos.

Dei uma dúzia de marretadas na cabeça por não ter levado a máquina fotográfica, ando todos os dias com a máquina e no dia em que o mar está cheio de golfinhos nada. Espero que não demore muito para que a Google invente o Google Head, dispositivo que instala uma ranhura para um cartão de memória na nuca e permite filmar com os olhos e partilhar sentimentos e emoções com quem quisermos.

A esta altura dizem vocês:
- Bah, golfinhos? Eu já vi golfinhos no ZooMarine, e no SeaLife, e saltavam e até equilibravam bolas na ponta do focinho e passavam pelo meio de argolas... vejo golfinhos quando me apetece, até na televisão se for preciso.

Garanto-vos que não tem nada a ver com esses encontros com hora marcada, eu também já vi espetáculos com golfinhos e também vejo o Odisseia e o National Geographic de vez em quando mas um encontro espontâneo é diferente, eles não foram ali porque alguém os obrigou, não foram ali porque nós estávamos lá, é como a diferença entre ir ao Zoo ver uma zebra ou estar sentadinho a piquenicar no mato e de repente passar uma manada de zebras mesmo à frente. É como a diferença entre ver um veado no Parque Biológico de Gaia ou estar descansadinho a dormitar numa clareira e passar uma família de veados bem à frente dos nossos olhos. Já fui à praia milhares de vezes, esta foi a primeira vez que vi golfinhos na praia e é diferente.

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