África faz-nos
sentir pequeninos, basta sair da cidade e percorrer uma qualquer estrada para
notarmos que aqui o mundo é diferente, é maior.
Andamos centenas de quilómetros
sem ver mais do que mato e quando passamos num qualquer kimbo de meia dúzia de
casas percebemos que afinal é possível viver sem ter nada daquilo que
pensávamos ser essencial. Os kimbos aqui não têm água nem luz, têm apenas uns
casinhotos feitos de madeira ou de tijolos de terra com telhados de colmo ou
chapa de zinco. Não têm ruas asfaltadas nem passeios (isso nem a maioria das
cidades tem) têm apenas terra entre as casas, não têm lojas nem restaurantes,
têm, aqueles que são maiorzitos, apenas uma escola e um centro de saúde
minúsculo. Ainda assim, ao passar, vejo os pequenos a ir a pé pela estrada sorridentes
a caminho da escola que fica na aldeia ao lado e levam, para além dos livros,
uma cadeira de plástico debaixo do braço. Oiço crianças rir enquanto brincam
num rio navegando na sua pequena jangada feita de três troncos de bananeira e
mulheres a cantar enquanto se lavam ou lavam a roupa no rio.
Depois uma pessoa
chega a casa e liga a televisão para descobrir que aí na tuga fazem
manifestações porque estão a pensar fechar a escola e as crianças terão que ir,
num qualquer transporte que a câmara disponibilizará, para uma outra escola
numa outra aldeia a 4Km de distância. Uma pessoa até se sente mal e pensa ‘caramba,
quatro quilómetros são 5 minutos de carro, aqui alguns miúdos com mais sorte
que outros têm uma cadeirinha que podem levar para não terem que se sentar no
chão’.
Um gajo decide
sair de casa e ir jantar com a sua doninha a um qualquer restaurante e não
demora muito para se aperceber que devia ter ficado a ver televisão... há um
ano e pouco atrás, quando cheguei, aquilo que me causava mais impressão era a
lentidão dos empregados de mesa, o facto de ter que esperar horas e horas pelo
manjar pelo qual iria pagar uma pequena fortuna, mas agora que tenho
frequentado restaurantes mais céleres e também mais dispendiosos noto que afinal
não é isso o pior dos restaurantes. Aquilo que causa mais asco, o pior mesmo, são as pessoas, os clientes. As pessoas, quando se sentem pequeninas, assim que têm
algum dinheiro no bolso ficam com o rei na barriga e ficam todas inchadas a
pensar que afinal são muito importantes e que sem eles este mundo não existiria.
E o que há de melhor para ficar ainda mais importante? Destratar outras pessoas,
falar de cima e com desprezo e é vê-los a inchar e inchar, cada vez mais
importantes cada vez com mais antipatia... poxa, não custa nada ser simpático,
não se paga mais por ser simpático e se fizermos alguém sorrir não vamos perder
nada só damos e ganhamos um pouco de felicidade. Aqui há dias estava com a
Timbi num bom restaurante onde o serviço e a comida são excelentes e ao nosso
lado estava uma mesa de 8 tugas em que pela certa nem conseguiram desfrutar da
boa comida pois passaram o tempo todo a destratar os empregados de mesa, até
parecia que cada naco de antipatia que lançavam ao empregado rendia créditos de
importância no seio dos seus amigos. Até eu e a Tini quase nos engasgávamos com
os lombinhos de lagosta envoltos em bacon.
Uns dias antes
fomos a uma pizzaria e mesmo ao nosso lado estavam duas pequenas angolanas que
não deviam ter mais de 16 ou 17 anitos e durante todo o jantar não conseguiram
dirigir uma frase ao empregado de mesa que não fosse recheada de antipatia,
reclamavam de tudo e de nada, principalmente coisas sem sentido.
Eu sou feliz, o
pedaço de vida que já vivi deu-me tudo aquilo que podia esperar dela. Eu só
queria ser tão sortudo como sou e talvez por isso tento ser boa pessoa todos os
dias.
É verdade que não
sou perfeito, e às vezes também stresso aqui com os porteiros do prédio quando
deixam, mais uma vez, que me roubem o meu tão apreciado lugar de
estacionamento, mas também, caramba, eles deixam que isso aconteça todos os
dias, ou à hora do almoço, ou à noite ou em ambos os momentos.
Quem me conhece
sabe que a simpatia não é uma das minhas melhores qualidades, sou pessoa de
respostas curtas e secas mas também não sou antipático de forma gratuita, não
trato mal os outros sem mais nem quê, apenas porque apetece ou porque isso
possa impressionar os meus amigos e fico triste se vejo alguém destratar outras
pessoas.
Não tenho nada
para ensinar porque não sei mais nem sou melhor que ninguém mas o meu conselho
para ti, triste que me lês, é que se não gostas do que fazes então faz o que
gostas. Não julgues os outros pelo que são ou o que fazem, o outro não é pior
por ser diferente ou fazer diferente. Faz alguém sorrir, vais ganhar felicidade.
Faz um estranho sorrir. Sorri todos os dias.
Eu sei que o JC
vos prometeu a todos que do outro lado espera-vos uma vida melhor e é lá que
está a felicidade mas é preciso ter presente que há o risco de ele ter mentido,
pode não estar ninguém à vossa espera do outro lado, o melhor mesmo é ser feliz
aqui agora. Não passes a vida toda apenas à espera da vida toda.
Gandhi uma vez
disse ‘não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho’.
Esta é do Dalai
Lama ‘Sê gentil sempre que for possível. É sempre possível’.
Até à próxima,
Bernardo Marques.
Gostei da reflexão, que vai de encontro à minha experiência por essas terras. Nos idos de 2009, acerca das pequenas fortunas que se gastam nos restaurantes de serviço lento em Angola escrevi o seguinte: Apartheid de Esplanada.
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