terça-feira, 11 de dezembro de 2012

falar à toa...



Ele estava descansadinho a ler uma revista quando ela se vira e diz:

Ela (a falar à toa):  - Sabes, agora que já somos ricos se calhar podemos comer caviar, estava a pensar e neste natal, vamos comprar dois frasquinhos, um para a casa da minha mãe e outro para casa da tua, que achas?

Ele (sensato):       - Tás bem da moleirinha mulher? Sabes que cada boião destes deve custar uns 300 euros ou assim? ...

Ela (relutante):      - ah, eu pensei que fosse práí uns 70 euros...

Ele (enquanto lê):   - 'Ovas de esturjão, caviar Beluga, 625€/30g. Ovas de salmão 17,5€' - Tens mesmo a certeza de que queres gastar 1300€ e depois cada um de nós come 3g de caviar? Ou é melhor encher o bandulho com ovas de salmão?

Ela (arrependida): - ah bem.... se calhar ainda não estamos assim tão ricos.

...


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

'Isso é uma paca.'

Quem vai do Waku Kungo para o Dondo, porque se enganou numa qualquer estrada e queria era ir parar a Catete, passa por uma série de pequenos kimbos e vai vendo pessoal a vender peixes e animais de caça na beira da estrada, como em muitas outras estradas de Angola. A mim também aconteceu e ia a passar por um desses kimbos quando digo:

- 'Olha ali um gajo a vender um coelho, queres um coelho?'
- 'Não é nada um coelho pá, é outro animal qualquer, mas não é um coelho.' - diz o meu companheiro de viagem.
- 'Ah, pois... aquele não tinha orelhas.'

Uns quilómetros à frente estamos a passar por um outro vendedor de beira de estrada e digo eu:
- 'Eh pá, agora vou passar devagarinho, vê lá se não é um rato gigante que o men está a vender?'
- 'Não, não é um rato.'
- 'Caramba, o próximo bacano que vir a vender um rato vou parar e perguntar que bicho é esse.'

Andámos mais uns quilómetros valentes até que numa aldeia estava um miúdo na beira da estrada com um coelho-rato nas mãos para nos tentar a parar e comprar o bicho. Eu parei.

- 'Eh puto, diz-me lá que bicho é esse.'
O miúdo ficou a olhar com um ar bué estranho, e eu do alto da minha arrogancia achei que o pequeno talvez  não falasse português, mas ataquei de novo.
- 'Miúdo, eu não te vou comprar esse bicho porque não me ia amanhar a esfolá-lo nem a desmanchar a carne, mas dou-te 200 paus se me disseres o nome desse animal que queres vender.'
O puto, com ar de quem acha bué esquisito que alguém não saiba as coisas básicas da vida e até com uma pintinha de desprezo na voz por ver alguém tão crescido mas tão ignorante diz:
- 'Isso? Isso é uma paca.'
- 'Hã? Páca? é uma páca?'
- 'Hm hm.'
- 'Olha, mereces os 200 paus, deixa cá ver... eh pá, hoje é o teu dia de sorte, não tenho notas de 200 por isso vou ter que te dar esta de 500 paus.'
Ele ficou todo contente e eu continuei.
- 'Puto, diz-me lá mais uma coisa, quanto é que custa uma paca?'
- 'Quê?'
- 'Quanto é que tu estás a pedir pela paca?'
- '1700 Kz.'

Ngombo com a sua paca

Nisto apareceu um bacano mais velho, com uns vinte e alguns anos que não sei se era pai ou irmão do puto e diz:
Grande - 'Tá a faltar aí.'
Puto     - 'Não.'
Grande - 'Tá a faltar, não tá aí todo.'
Puto     - 'Ele não vai levar.'

Eu reparei que o mais velho tinha um arco (sim um arco daqueles de lançar flechas).
- 'Xê, és tu que caças as pacas?'
- 'Sim.'
- 'Com esse arco? Atiras uma flecha e acertas na paca?'
- 'Ya, assim.' - esticou a corda do arco e largou.
- 'Pôxa, posso tirar-te uma fotografia?'
- 'Podes.'
- 'Caramba, tu vais ali para o mato e a paca vai a passar no meio das ervas, tu atiras uma flecha e acertas-lhe?'
- 'Ya.'
- 'Isso é espantoso.'

O caçador de pacas com o seu arco e flechas


Tirei umas fotos e quando me estava a despedir do pessoal que estava ali perguntei:
- 'Eh puto, qual é o teu nome?'
- 'Ele é o Ngombo.' - disse o mais velho.
- 'E tu vives aqui na aldeia, é Ngombo?'
- 'Sim.'
- 'E onde é a tua casa Ngombo?'
- 'É lá em baixo.'

Eu tenho bué curiosidade de ver uma daquelas casas por dentro, de ver o que eles têm lá, e quase de certeza que eles me deixavam ver... mas achei que seria um nadinha abusador e como a casa era lá em baixo e não logo ali só disse para o mais velho:

- 'Ah... é lá em baixo?'
- 'Ya.'

Foi só depois de entrar no carro e arrancar que me lembrei de tudo o que esqueci. Eu tinha dois pacotes de bolachas, um de batatas fritas e vários de rebuçados no carro que eram do Ngombo mas eu esqueci de lhos dar. Esqueci de perguntar aquela gente como era a vida, o que achavam de viver ali e se eram felizes. Aquela aldeia não tem luz (nenhuma, nem pública nem nas casas), não há electricidade, não têm água nem esgotos, não há gás... Eu nasci num tempo em que já não sabemos viver sem esses luxos que se tornaram necessidades, não sei como é viver sem electricidade, sem saneamento e sem um fogão... como se cozinha? toda a gente acende uma fogueira todos os dias?
Gostava de saber o que eles pensam da vida quando vivem em condições nas quais, segundo os padrões daí da parte de cima do mundo, faltam as necessidades mais básicas. E uma vez que na parte de cima do mundo as pesoas andam um pouco agastadas com a vida e descontentes deveria ter tentado descobrir como se sentem as pessoas que vivem ali.

Acho sinceramente que já vai sendo tempo de alguém inventar uma forma objectiva de medir a felicidade. Nos dias de hoje em que já podemos medir o peso e saber quão gordos ou magros somos, medir a altura e saber se somos grandes ou pequenos já era para podermos medir a felicidade e tal como poderia perguntar ao Ngombo quanto calça para saber se tem os pés grandes poderia também perguntar quanto felicia para saber se o rapaz é mais feliz ou mais triste. E ainda que não houvesse uma forma objectiva de medir a felicidade já devia, pelo menos, alguém ter inventado uma forma subjectiva de a medir, tal como inventaram o Q.I. para medir a inteligência podiam inventar um Q.F. para medir a felicidade... eu próprio já o teria feito, não fosse o pequeno inconveniente de não saber quais as perguntas certas para colocar no teste, mais dificil ainda seria descobrir as respostas certas. Peço a um de vocês que por favor arranje forma de medir a felicidade.
Com o medidor de felicidade nas mãos poderei saber se são aquelas pessoas sem nada mais felizes ou mais tristes que as daí de cima que, ainda que não tenham tudo, não se dão conta de quanto têm.

Durante a viagem decidi que um dia vou experimentar, um dia que não vem longe vou viver numa daquelas aldeias de casas de tijolo de barro com telhado de colmo (não gosto das aldeias com casas de telhado de chapa) durante uma semana, vou pagar para ir trabalhar (ou atrapalhar) com eles, seja no campo ou na caça e vou acordar, almoçar, jantar, conversar e dormir com eles e um dia vou saber como se vive na África verdadeira sem nada a não ser dois bracinhos e duas perninhas para fazer a vida e talvez escreva aqui sobre a experiência.

Espero que não seja tarde de mais para que um dia alguém me pergunte o que quero ser quando for grande (ou pelo menos maior, ou talvez mais velho) e eu possa responder que quero ser explorador. Quero ir de Luanda a Maputo, de Maputo a Mombasa, de Mombasa a Yaounde e de Yaounde ao Cabo, de carro, de bicicela ou a pé e pelo caminho parar e conhecer as pessoas, demorar 10 anos a fazer a viagem, mas conhecer e ser explorador.

Hoje deixo-vos com uma música de uma das minhas bandas favoritas... dêm uma ouvidela aqui.

Cause it's my intention
to not let the good life
and good times pass me by

P.S. - isto de ser explorador é apenas um estado de espírito. Um lingrinhas como eu morria de fome e sede dois dias depois de deixar a civilização.


...

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Velocidade Terminal



Aceleração:   9,81 m/s2

Uma aceleração de 9,81m/s2 significa que, a cada segundo que passa a velocidade aumenta 9,81 m/s o que é quase o mesmo que dizer que aumenta 35 Km/h por cada segundo. Esse é o valor da aceleração da gravidade terrestre, uma força que é exercida sobre nós, durante todo o tempo, pelo nosso querido planeta.

Altitude:     4300 m
Quando subimos a 4300 m de altitude (de avião) e decidimos saltar cá para baixo em queda livre a aceleração da velocidade a que caímos é essa, em menos de 3 segundos já vamos a 100 Km/h e depois disso a força exercida pela resistência do ar faz com que a velocidade aumente mais lentamente até chegar quase aos 200 Km/h.

Velocidade:   200 Km/h
 Esta é a velocidade terminal para um ser humano que cai de barriga com braços e pernas esticadas. A resistência do ar exerce uma força contrária à da gravidade e aos 200 Km/h esta faz com que a velocidade a que caímos deixe de aumentar.

Duração:      1 minuto
Em menos de um minuto já descemos até aos 1500 m, altitude à qual o para-quedas é aberto e tudo se torna mais calmo, suave e relaxado apesar de, ainda assim, ser um nadinha assustador para quem pela primeira vez tira os pés do chão.



Nestas férias deu-me para voar, já antes vos tinha dito que queria voar e uma vez que tudo o que voa corre sérios riscos de, mais tarde ou mais cedo, acabar por cair achei por bem que deveria aprender a cair antes de aprender a voar.
Fui até ao aeródromo de Braga onde, após 5 minutos de instrução na qual me disseram que deveria agarrar-me aos ombros, com a cara voltada para o lado e as pernas dobradas para trás, pude cair do cimo do céu. Isto é tudo o que precisamos saber para podermos saltar com um marmanjo amarrado às costas. Depois de esperar um pouco fomos para o pequeno avião que nos levou até ao cimo dos céus de Braga, é excelente ver o mundo lá de cima , de dentro de um avião pequeno com bué vidro em que a vista de um mundo pequeno abarca quase todo o nosso campo de visão... depois de uma subida de uns 10 ou 15 minutos a porta abriu-se e eu e o marmelo que levava às costas arrastá-mo-nos para o lado de fora. Eu na posição que tinha aprendido na instrução e ele em cima de uma pequena plataforma perto da asa.
Quando estamos ali, assim pendurados no ar, na asa de um avião que está a voar, a adrenalina sobe, as endorfinas começam a atacar o cérebro e... não sei o resto porque não percebo nada de hormonas mas sei bem que ficamos alterados, mas enquanto estamos na nossa posição natural temos a noção que o mundo está lá em baixo e o nosso olhar no horizonte, como acontece durante a maior parte da vida e até aí é tudo normal, ou quase. Estamos assim por uns segundos até que o emplastro que levamos nas costas, sem qualquer aviso e sem que saibamos quando o vai fazer, se inclina e começamos a cair. É nesse momento pelo qual esperávamos mas do qual ainda não estávamos à espera que sentimos um imenso cagaço, pelo menos na primeira vez suponho de deve acontecer a toda a gente, e por mais que quiséssemos ou gostássemos de fazer uma cara bonitinha naquele instante,  para ficarmos bem na fotografia, isso não é possível. A partir do momento em que ele se vira deixamos de controlar o nosso rosto.
Não é possível eu dizer-vos o que se sente naquele momento, quando nos sentimos cair a uma velocidade estonteante, sem nada debaixo de nós mas vou tentar explicar o melhor que sei.
Quando nos viram os olhos para a terra e notamos que deixámos de ver o horizonte para vermos apenas o mundo inteiro bem ali, à frente dos olhos, aquilo que se sente é que já caímos demais, o nosso espírito não conseguiu acompanhar a queda e ficou ali, na asa do avião, esqueceu-se de vir connosco e daí sentirmos uma impressão no peito, uma quase dor, como se nos esmagassem o peito, como se a vida nos fugisse ou nós fugíssemos dela. Felizmente o nosso espírito não demora mais do que umas centésimas de segundo para reparar que nós já fomos e depressa volta para dentro do peito, passa aquela quase dor e aí damos-nos conta do que está a acontecer. Estamos a cair a uma velocidade alucinante de uma altura imensa e apercebêmos-nos de que certamente iremos morrer e ainda por cima o anormal que levamos em cima inclina-nos para que viajemos mais depressa vá-se lá saber porquê. Tão rápido quanto o nosso cérebro, que naquele momento não está a funcionar a 100%, se lembre que o gajo que vai em cima de nós tem um para-quedas que nos vai permitir sobreviver à queda o medo passa e podemos apenas apreciar o momento... sentimos o ar empurrar-nos para cima e não vemos o mundo aproximar-se nem um bocadinho, tudo continua igual, lá no fundo, afinal... se calhar... estamos a voar, vamos poder ficar ali no ar o tempo que quisermos, a voar como se fossemos um pássaro ou um insecto, só com mais vento na cara, tanto que por mais que tentemos não conseguimos mudar a nossa expressão facial, tanto vento que nos empurra os braços para cima, as pernas para cima, a partir do momento em que abrimos os braços deixamos de controlar os movimentos, já não controlamos o rosto, nem os braços, nem as pernas é o vento que nos domina, quem põe os braços na posição que ele quer e as pernas, é ele quem nos dá forma ao rosto... e é justamente quando estamos a apreciar mais aquele voo, quando já estamos a curtir à brava o facto de estarmos a cair e já nem sequer parece tão mau assim se por acaso nos encontrarmos com o solo que o estafermo abre o para-quedas e acaba com a diversão. Sentimos um puxão forte e de repente o mundo já está outra vez lá em baixo e os olhos conseguem ver o horizonte, passamos a descer em silêncio, numa viagem muito mais calma mas ainda assim sentimos-nos fragilmente presos pelos ombros e o mundo ainda bem lá em baixo e ficamos com um pouco de receio de que possamos cair. Vamos descendo devagar até começarmos a ver as árvores aproximarem-se e dá a sensação que vamos bater com os pés num telhado, ou na copa de uma árvore (isso talvez seja só eu porque tenho umas pernas compridas) e parece-nos que afinal estamos a descer depressa demais e... quando damos conta já temos chão debaixo dos pés de novo e a viagem acabou... mas é alucinante, uma viagem extraordinária, isso vos garanto.

Para aqueles de vocês que um dia queiram experimentar podem ir até www.syfuncenter.com.
Um bacano muito porreiro saltou para filmar, podem encontrar um pedaço do filme em  http://www.youtube.com/watch?v=1VLqrxlCCfE, não esperem que eu tenha ficado bonitinho e não estranhem caras de assustado ou de anormal, como disse, as expressões faciais estavam completamente fora do meu controlo.
Encrontram algumas fotos em https://picasaweb.google.com/117986880837828270606/SaltoTandem.

Em conversa com aquele jovem que vêem saltar às minhas cavalitas vim a saber que ele tinha estado em Angola e tinha chegado à tuga há apenas alguns dias. Em breve irá voltar pois estava a criar, ou a dar formação, ou a iniciar o clube de paraquedismo aqui em Angola.

Hã? Quê? Perguntas se o vou fazer de novo?
Podes ter a certeza que sim.

Bernardo.


sábado, 11 de agosto de 2012

Little Big Adventure


Olá.
Não quero que pensem que estou a ressuscitar este blog dos mortos, ele está morto e bem morto, mas por vezes os mortos também aparecem.

Aqui há uns dias uma aventura apanhou-me ali na estrada e fiquei a pensar que é tão caricata que caso eu ainda me dedicasse à escrita havia de escrever sobre ela, mas por outro lado, se matei o blog há meio ano atrás não fazia grande sentido contar-vos as coisas que me acontecem deste lado do mundo. Andei uns dias com vontade de a escrever e consegui controlar-me mas hoje estou sem nada para fazer, num avião que já atrasou hora e meia por isso vou escrever.

Como ia dizendo, aqui há uns dias, ia eu todo pimpão no meu carrito ali na Av. Comandante Valódia já a chegar à Alameda, aquilo é uma estrada que naquela zona tem duas faixas mas como essas duas faixas estão sempre paradas cheias de veículos que querem virar à direita para a Alameda toda a gente sabe que quem quer seguir em frente vai pela terceira faixa, que não existe fisicamente mas existe num plano espiritual. Todas as pessoas que conhecem a rua sabem que é assim, a terceira faixa, para quem quer ir em frente apesar de não se ver existe e por vezes até são os polícias que fazem uma separação com aquelas coisas de plástico laranja e criam a terceira faixa para aqueles que querem seguir em frente.
Pois bem, ia eu todo contente, com um sorriso na cara e instintivamente vou para a terceira faixa, levava carros à frente e carros atrás, o polícia que estava no cruzamento com a Alameda a coordenar o trânsito mandou-me parar para que andassem aqueles que estão a circular na Alameda. Eu parei, ele viu-me ali tão contente que pensou para si próprio ‘Espera aí que já te tiro esse sorriso da cara’. Vai na minha direcção e pede-me a carta, era um gajo novo, mais novo do que eu (ou talvez eu já não seja novo).
- ‘Fiz alguma coisa de errado?’ - perguntei enquanto lhe entregava a carta.
- ‘Você está a ocupar a faixa de rodagem contrária.’
 - ‘Quê? Estás a gozar comigo irmão?’
- ‘Aqui só tem duas faixas e o Sr. está a ocupar a faixa do trânsito que vem em sentido contrário. O bilhete de identidade, tens?’ – Como eu já apanhei uns tiques mwangolés na fala grande parte das pessoas acham que sou angolano, eu procurei pelo passaporte e procurei e procurei e comecei a ter suores frios… caramba, ser apanhado sem passaporte… isso dá para deixar ali no bolso do outro um dinheirão e isso é se ele simpatizar comigo… andei à procura e à procura… mas o passaporte estava na minha mochila que tinha deixado no escritório.
- ‘Encoste ali e venha aqui ter comigo.’
Eu encostei o carro e ele mandou encostar também os três carros que estavam atrás de mim. Fui ter com ele e disse:
- ‘Irmão, tu estás a brincar, não estás? Eu passo aqui todos os dias, toda a gente faz isto, eu sei que só há duas faixas mas essas duas querem virar à direita e quem vai em frente faz sempre assim e tem dias em que há quatro filas irmão. Não me compliques. Olha estes todos aqui a passar, toda a gente faz isto.’ - Dizia eu, enquanto apontava para uma terceira fila já com dezenas de carros exactamente no sitio onde eu tinha estado.
- ‘Olha, já mandei parar também aqueles todos, o bilhete de identidade? Já encontraste?’
Eu não o tinha encontrado como é obvio mas não me descosi e nisto apareceu o pessoal dos outros carros que o polícia tinha mandado encostar e estavam todos a mandar vir com o polícia quando ele devolveu a multa que substituía a carta de condução de um candongueiro. O rapaz arengou qualquer coisa que não percebi na direcção do policia e ele ficou irritadíssimo – ‘Eu vou-te apanhar.’ - disse o policia enquanto apontava para o rapaz.

Aqui vamos fazer uma pausa, para vocês que não sabem como se processam as burocracias aqui deste lado do mundo tenho que vos explicar que, aqui, quando cometemos uma infracção no trânsito o polícia pede logo a carta para que não possamos fugir e só depois se discute a situação. Por norma as coisas resolvem-se amigavelmente com uns valores que variam dependendo do humor do policia, do aspecto do infractor e da gravidade da infracção.  Já da última vez (antes desta) que me apanharam não consegui chegar a acordo, o policia estava irredutivel num valor, a negociação correu mal e ele acabou por passar-me mesmo a multa. Pois bem, como aqui a morada de muitas pessoas é a casa sem número na rua sem nome apontar matriculas ou ficar com os dados de alguém não serve de nada, então, os polícias mal apanham a carta na mão metem no bolso e quando nos passam uma multa ficam com a carta e nós com a multa. A multa substitui a carta de condução e supostamente depois de a pagarmos na Direcção de Viação e Trânsito a carta é-nos devolvida. Ora, dessa última vez que me passaram a multa esta foi paga no dia seguinte e a carta ainda não estava na DVT. Andei dois meses com uma multa e o comprovativo do pagamento da mesma enquanto um rapaz do escritório foi uma dezena de vezes à DVT para ir buscar a carta que teimava não aparecer, era sempre necessário algo mais, um papel de sabe deus o quê ou esperar mais uns dias. Por alturas destas peripécias que agora vos conto eu tinha a carta há três dias e já estava a vê-la desaparecer de novo. 
Quando temos uma multa porque a carta anda no bolso de um outro polícia ou perdida na DVT o polícia que nos manda encostar não tem carta para apreender e então acontece que chateiam bem menos e mandam seguir com mais facilidade do que se a tivéssemos. Como deste lado do mundo tudo se consegue comprar e tudo se vende os candongueiros nunca andam com a carta, têm sempre uma multa que a substitui durante umas semanas. Por isso é que o polícia da aventura que vos conto devolveu uma multa e não uma carta de condução ao candongueiro.

Mas voltando à aventura, o policia naquele momento em que estava irritado devolveu as cartas de condução ao pessoal todo menos a quem? Pois… a minha ficou lá no bolso.

- ‘Anda, eu vou contigo, onde é que está o teu carro? Vamos virar ali à esquerda para o São Paulo, aquele gajo insultou-me e eu vou apanhá-lo.’
- ‘Então e a minha carta? Devolveste a todos e não me dás a minha?’
- ‘Mas não ouves o que eu digo? Eu vou contigo.’
Entramos no carro e começo a conduzir.
- ‘Vira aqui à esquerda, vamos para o São Paulo.’
- ‘Mas aqui é que é proibido virar.’
- ‘Mas sou eu que te estou a mandar, não te vou multar se te mando virar aqui, vira à esquerda. Aquele gajo insultou-me e nós vamos apanhá-lo.’
Lá fomos nós, havia uns carros à nossa frente e eu ia descansadinho da vida atrás de quem vai à frente como sempre faço quando ele faz uma cobra a ondular com o braço.
- ‘Hã? Viro aqui à direita?’
- ‘Não ginga pelo trânsito, rápido, vamos mais depressa.’
Tentei fazer conversa para ver se ganhava a simpatia do polícia que ia ali ao meu lado mas a verdade é que eu sou uma nódoa a fazer conversa.
- ‘Eh pá, mas tu sabes para onde o gajo foi é?’
- ‘Foi para o São Paulo.’ E nisto lê a matricula da ximbunga que tinha apontado no braço.
Chegamos ao São Paulo e vamos em direcção às traseiras do Cine São Paulo e, como sempre, havia uma confusão enorme de trânsito ali, iam umas ximbungas à frente e ele pergunta:
- ‘Consegues ver a matricula desse táxi aí?’
- ‘Hmm… não, o carro da frente tapa.’
- ‘Espreita aí, não consegues mesmo ver?’
- ‘Não, mas se quiseres podes sair para ver e eu apanho-te mais à frente.’
- ‘É que o gajo não me pode ver, senão foge de novo.’ – disse ele enquanto ia saindo do carro.
Eu fiquei parado no trânsito e ele foi andando… e daí a pouco quando avancei e cheguei ao cruzamento mesmo nas traseiras do Cine São Paulo já não o via. Caramba… eu ali, o homem com a minha carta… tinha que o encontrar ou ficava sem carta para sempre.

Vou tentar descrever como é aquela zona… não há uma forma simpática de ilustrar aquela zona e vai parecer uma descrição racista e preconceitosa mas vou tentar fazê-lo da forma mais cordial possível. O São Paulo é como que um dos locais onde acaba a Luanda cosmopolita com pessoas de todas as cores e nacionalidades e começa a Luanda negra, uma cidade que a maioria dos estrangeiros não conhece e onde tem receio de ir. Para lá do São Paulo fica a Cuca e o Cazenga, bairros que a maioria dos estrangeiros que vivem nesta cidade e que são muitos não frequentam nem conhecem. Enquanto que na cidade vemos europeus, norte e sul americanos e asiáticos por todo o lado, seja a pé ou de carro depois do São Paulo isso é muito menos comum e as pessoas, por norma, estão muito menos arranjadas do que as que se vêm no centro da cidade. Eu já dei uns passeios a pé ali pela zona do mercado do São Paulo, onde o chão sujo está coberto de roupas, sapatos, detergentes, bolachas, frutas e tudo o mais e as ruas estão cheias de gente, muitas vendedoras sentadas no chão e muita gente a passar ou à espera de táxi. Vocês que vivem aí na parte norte do nosso planeta estão já a imaginar uma feira como as daí da tuga mas não é bem o mesmo. Passamos por bancas que vendem peixe ou carne que estão ali à temperatura ambiente completamente cobertos de moscas e quando passamos vemos um enxame de moscas a levantar voo durante dois ou três segundos para poisar logo assim que nos encontramos a uma distância que elas considerem segura. É uma zona de cheiros muito intensos e posso dizer-vos que os tugas que trabalham comigo no escritório têm medo e nunca passaram por ali a pé.
Pois bem, eu vi-me ali sozinho e sem saber do polícia que tinha a minha carta. Estacionei e fui dar uma volta à procura dele… não foi difícil de encontrar, há uma rua que vai das traseiras do Cine São Paulo para a estrada principal e que fica completamente coberta de iáces, ninguém anda enquanto eles não enchem o táxi e arrancam, uma por uma, demora-se uma meia hora para percorrer aqueles dez metros de estrada de carro. Felizmente eu estava a fazê-los a pé quando vejo um polícia a arrastar um marmanjo, já levava uma multidão atrás e um outro polícia ao lado. Eu tentei tocar-lhe no ombro mas ele estava ocupado a arrastar o outro marmelo que tentava evitar ser arrastado enquanto se ia queixando e pedindo para o largarem, o polícia que acompanhava o meu policia disse que não era boa altura e eu limitei-me a segui-los. Arrastou-o até à esquadra móvel do São Paulo enquanto ele ia tentando escapar e se queixava de ter sido agredido. Um monte de gente a ver a confusão e a olhar para mim, que não sendo propriamente branco era a pessoa mais engomadinha que ali estava e estava bem no meio da confusão. Algum tempo depois conseguiram enfiar o rapaz para dentro da esquadra móvel e depois de tudo explicado aos colegas que estavam de serviço lá houve um momento mais calmo e eu pedi a carta ao polícia, ele disse-me que tivesse calma e que fosse buscar o carro pois ele próprio iria levar o meliante para a esquadra. Lá vou eu buscar o carro com a esperança de conseguir a carta de volta ainda durante aquele dia… todo pimpão pelo meio dos táxis até que sou interpelado por alguém.
- ‘Para onde vais?’
- ‘O quê, estás a gozar comigo?’
- ‘A tua documentação, tens os teus documentos contigo?’ – era um outro policia, este com uma farda mais escura que os de trânsito mas não era dos ninjas, pareceu-me ser de um escalão inferior aos de trânsito.
- ‘Eh pá, eu não tenho tempo para isto, estou ali a ajudar um colega teu que está ali na esquadra móvel e me pediu para ir buscar o carro.’
- ‘Ah sim? E para onde vais?’
- ‘Vou buscar o carro, eu tive que dar boleia a um colega teu para apanhar um meliante e agora ele pediu-me para ir buscar o carro, iá?’
- ‘Sim, mas depois disso, para onde vais?’
- ‘Então, depois vou trabalhar irmão, eu estava a trabalhar antes do teu colega me pedir ajuda.’
- ‘Ah, é um transito, é?’
- ‘Sim irmão, tenho que ir, iá?’
- ‘E não deixas uma ajudinha?’
- ‘Hoje não pá, já estou bem enrascado com o teu colega. Hoje não dá, iá?’
E lá vou eu buscar o carro. Um tempão depois lá estou eu a chegar à esquadra móvel e ele diz-me para estacionar do outro lado na berma. Passado um pouco vem ter comigo e diz que já está tudo resolvido, só tive que lhe dar boleia de volta para onde ele me tinha encontrado e lá recuperei a carta de condução. Só demorou uma tarde quase inteira, mas pelo menos ganhei uma aventura para contar :).

Bernardo.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Ando a ser seguido

É como vos digo, sou seguido. Foi, tal como acontece com a maior parte das merdas que me acontecem na vida, de forma totalmente inesperada que o soube, estava eu no Lubango onde tinha ido fazer um trabalhinho de dois dias e quando o men que me tinha andado a aturar nesses dois dias me ia levar ao aeroporto deu uma boleia a um colega, conversa vai conversa vem diz o colega:

- Colega: eh pá, eu antes de vir para Angola andei a ver umas informações e fiquei seguidor de um blog, acho que é emigrado em angola ou assim, e era escrito por um gajo que também se chama Bernardo e até é meio parecido contigo.

Eu fiquei todo encaralhado, eh pá, não sei porquê mas fiquei com vergonha, sei lá, afinal parece que até há desconhecidos que liam as patetices que eu escrevia? Fiquei com o ego cheio, caramba agora sou conhecido por desconhecidos e até quase que sou reconhecido na rua (foi dentro do carro, pelo que técnicamente não podemos considerar que fui reconhecido na rua)... quase que já só falta sofrer um atentado para eu ser gente, mas apesar de ficar com o ego bué gordo fiquei todo nervoso e envergonhado, vá-se lá a saber porquê... sou assim, em muitas situações, principalmente naquelas em que até quero parecer um gajo inteligente e interessante, começo a transpirar e fico sem saber o que dizer, não é voluntário é assim como quem tem espasmos, ou convulsões, é involuntário mas acontece.


- Eu: ah sim? ... interessante.
- Colega: por acaso não és tu?
- Eu: ah, é possivel... talvez até possa ser.
- Colega: eh pá, eu curto bué esse blog, li aquelas histórias todas, de quando tiveram o acidente, a outra sobre conduzir sempre pela esquerda. Eu só estou no Lubango mas mal cheguei vi logo que era mesmo verdade, e as fotografias tiradas de cima da Sonangol e de quando blá blá blá.

Bem, o seguidor, que é um de entre aqueles 27 que estão listados ali em cima à direita, sabia as histórias todas, é bué simpatíco, estivemos a conversar durante a viagem toda (que é práí de 2 minutos inteiros) e gostei mesmo de o conhecer e de falar com ele.

Nota final:  aquela cena do atentado era brincadeira... eu nem quero ser gente.

----------------------------------------------------------------

Hoje o avião vinha cheio cheiinho, as pessoas vinham todas amontoadas (um em cada lugar, claro está) mas ninguém se sentou num dos dois lugares ao meu lado. Eh pá, eu até agradeço aos deuses que ninguém se tenha sentado lá, fico com espaço para me poder esticar um pouco. Sempre que vou com pessoas ao lado é um sofrimento, as pernas compridas ficam sem posição em que estejam confortáveis e não se conseguem esticar um pedacinho... é chato. Ora bem, eu até gosto que ninguém se sente por perto mas fiquei a pensar... caramba, porque raio as pessoas preferem sentar num sitio onde já tem duas a ficar perto de mim? Será que cheiro mal? Tomei banho ontem às 20h, hoje às 7h e novamente hoje às 11h, será que devo mudar de gel de banho?

...