terça-feira, 23 de abril de 2013

Maria Teresa



no sábado passado, de manhã fui ver um problema no BESA, ali em baixo na Mutamba, ao pé da Sonangol... e ali, entre o BESA, Sonangol e a pastelaria Mensagem, na rua que vem da Mutamba para essa zona costuma estar a Maria Teresa sentada no chão. Eu já a conheço de há muito tempo... nem sempre a vejo, nem sempre vou para aquela zona ao sábado. Antigamente ia bué vezes, porque ia muito para a Sonangol... mas agora não.
A Maria Teresa fica sentada no passeio à espera que alguém lhe dê algo... e eu costumava dar-lhe sempre 500 paus, a Maria Teresa era como que o meu limpar de alma... era como que o meu lavar de mãos... dou 500 paus a esta senhora e isso faz de mim boa pessoa... é como ir à missa para uns ou confessar-se para outros.
Aqui há uns meses largos, a meio do ano passado, parei ao pé dela, e em vez de lhe dar apenas os 500 paus do costume baixei-me e perguntei-lhe o nome. Ela disse-me que era a Maria Teresa e eu disse-lhe: 'Olha Maria Teresa, eu tenho uma dívida muito grande com Deus e sei que nunca lhe vou conseguir pagar... por isso vou dar-te a ti.' e dei-lhe duas notas de valor bem mais alto do que as do costume.
Eu não sou religioso, bem pelo contrário... tenho uma certa aversão à religião, acho que foi criada para limitar o pensamento das pessoas, noto, em algumas pessoas, frases feitas que foram marteladas pela religião e lhes saem da boca sem passarem pelo pensamento e que, entre outras coisas, fizeram com que eu não nutrisse qualquer carinho pela religião. Não condeno quem acredita e quem segue... mas acho que serve apenas para colocar as ovelhas todas no rebanho e as manter certinhas. Como uma qualquer ovelha que saíu do rebanho e gosta de passear por outras pastagens, de descobrir mundos novos... parece-me que o rebanho é um pouco limitado e que as ovelhas conseguem ser mais felizes se pastarem à balda pelos campos e comerem as ervas que o pastor não deixa.
No sábado passado fui ao BESA e ela estava lá, eu dei-lhe os 500 paus do costume e fui à pastelaria Mensagem comprar uma garrafa de água... e a garrafa era 200 paus... e eu fiquei naquela... poxa, caramba... como é que gasto 200 paus numa garrafinha pequena de água e espero lavar a alma toda só com 500? Fui até ao sitio onde a Maria Teresa estava sentada perguntei se me podia sentar uns minutos com ela e sentei no passeio. Enquanto as pessoas iam passando eu falei dois minutinhos com a Maria Teresa.
A Maria Teresa costuma estar ali todos os sábados e é uma senhora que tem a cara toda deformada por ter sido queimada... parece que a nossa pele é feita de plástico e alguém queimou a dela fazendo com que se derretesse, os olhos, o nariz, a boca... tudo derreteu e ficou deformado.
Eu sentei e pedi-lhe que me contasse a história dela, o que tinha acontecido para ficar assim. Ela contou-me, enquanto a voz lhe tremia, que quando era pequena, ia para as lavras com os pais e os homens atiraram uma granada, ela ficou assim e os pais morreram. Isso aconteceu na zona do Huambo quando ela tinha uns 14 anos ou assim, ela já não sabe bem. A Maria Teresa hoje tem 50 anos... suponho que passou uma vida inteira sem nunca ter alguém que a amasse, sem que nunca ninguém lhe dissesse como é bonita... e eu senti-me uma pessoa cheia de sorte. Dei-lhe todo o dinheiro que tinha no bolso (infelizmente não era mais do que uma nota grande) e ofereci-lhe a água que tinha comprado... e senti-me uma pessoa cheia de sorte.


3 comentários:

  1. Tenho de reconhecer, Bernardo, que tu é muito mais santo que eu.
    Esse teu gesto é a prova que o ser humano pode ser solidário e a sentir-se bem, por fazer bem ao outro.
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  2. estou a ler alguns textos sobre Angola, relembro que o meu pai trabalhou lá antes nos anos 60 antes do início da guerra e que ele ficou admirado por tanta beleza nas cidades e paisagens desse país!

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