Aqui o 11 de Novembro é feriado, é o dia da independência e como tive a sorte de me calhar numa sexta-feira aproveitei para escapar ao trabalho de sábado e ir
conhecer mundo com a ‘mary poppins’. Decidimos partir por essas estradas fora e
ir até Malange para ver a quedas de Kalandula.
Ainda mal tínhamos iniciado a
viagem quando, pelo caminho, apanhámos com uma tempestade diferente de qualquer
outra pela qual eu tivesse passado antes. Era uma tempestade tal que por vezes
mal se via a estrada mas o que caía no vidro do carro não era água da chuva,
nem neve, nem granizo... eram borboletas, borboletas pretas.
Não sei que fenómeno borboletífero acontece por esta data nesta parte do globo mas a verdade é que estou convencido de que todas as borboletas pretas do mundo se
reuniram ali, numa faixa de alguns quilómetros de estrada rodeada de floresta
entre Luanda e o N’Dalatando. Um milhão de borboletas morreram no vidro do meu
carro, outro milhão no do carro da frente e mais outras tantas no carro que
seguia à frente desse. Havia tantas borboletas que não era possível passar sem
esborrachar um milhão delas que ao serem esmagadas contra o vidro o deixavam coberto de uma substancia pastosa amarelada que teimava em não sair facilmente apenas
por se borrifar água no vidro e ligar os limpa pára-brisas. Um milhão daquelas
borboletas morreu naquele dia por cada carro que passou naquela estrada e ainda
assim o chão estava coberto por milhões mais.
No N’Dalatando fizemos uma paragem para conhecer a cidade e
tirar umas fotografias e em menos de alguns minutos ficámos rodeados por umas
dezenas de miúdos que tudo o que queriam era que eu lhes tirasse uma fotografia
para que depois a pudessem ver e se conseguissem encontrar a si próprios, no
pequeno ecrã da máquina, no meio da confusão de pequenos que povoava cada
fotografia. A vontade de se verem na fotografia era tanta que não paravam de se
empurrar uns aos outros e de me puxar os braços para que cada um fosse o
primeiro a poder gritar ‘eu estou ali, aquele sou eu’.
Seguimos para Malange, e como fomos à aventura, sem hotel
marcado corríamos o risco de não haver quartos e qual não é... corremos todos
os hotéis da cidade, todas as pensões e todos os albergues, ninguém tinha
quartos... nem mesmo a subtil insinuação de que eu pretendia pagar o dobro do
valor do quarto, apenas por causa do ar simpático do dono de uma albergaria,
quando este me disse que tinha acabado de alugar o último surtiu
qualquer efeito. Valeu-nos o tuga, dono de um restaurante que nos encaminhou
para uma missão beneditina / seminário onde dormimos num quarto paupérrimo, com
uma casa de banho sem luz e onde na manhã seguinte não havia água. Na incansável busca por um quarto acabámos por conhecer um simpático casal de estranhos que andava na mesma odisseia e com o qual nos cruzámos diversas vezes e sem que tivessemos combinado acabaram por ir parar ao mesmo sitio que nós.
Fomos ver as quedas de Kalandula no dia seguinte e imbuídos do espírito de
aventura que África nos faz sentir decidimos meter a nossa amostra de jipe pela
picada entre Kalandula e o Cacuso em vez de seguir pela estrada de alcatrão que
tínhamos feito no dia anterior. Perguntei à ‘betty boop’ se ela se sentia com
vontade de arriscar a ficar atascada na lama sem rede de telemóvel para pedir
ajuda e a dezenas de quilómetros de qualquer povoação, como obtive resposta
afirmativa lá fomos nós. Passámos por kimbos esquecidos pela civilização onde os
pequenos nos acenavam e gritavam quando passávamos, noutros onde os pequenos que
brincavam na lama fugiam ao avistar o carro e sempre que encontrávamos três ou
quatro a brincar perto da estrada oferecíamos-lhes os bombons que tínhamos comprado
numas bombas de gasolina e em troca eles ofereciam-nos um sorriso imenso e
alguns gritinhos de alegria.
Valeu-nos a tracção às quatro rodas da nossa mini-micro-amostra
de jipe pois passamos em alguns lameiros onde deu para a adrenalina subir ao
cérebro e criar um medo miudinho de ficar no meio da lama.
Umas vezes rodeados de floresta, outras a ver savana até onde a vista alcança foi ali que me senti mais em África.
Fomos ver as Pedras Negras de Pungo Andongo um sitio espetacular
e onde vale mesmo a pena subir e sentar um pouco a apreciar a vida e ainda tentamos ir ver a maior barragem de Angola, a barragem
de Capanda. Eu que já estive na de Cambambe e sei que tive que passar por dois
controlos policiais onde foi necessária uma autorização já sabia que o mais provável
seria não podermos chegar nem perto e assim foi. Um ‘pula’ habituado a passear por
cima das barragens da tuga não se lembra destas coisas mas imagino que as
barragens, durante a guerra, fossem alvos militares bastante apetecíveis para o
inimigo e como tal têm que ser bem protegidas. As memórias da guerra ainda não
desapareceram por completo e no controlo policial antes da barragem de Capanda
não nos deixaram passar para a visitar, é preciso autorização e nem sequer de
longe chegámos a ver o rio. Pelo caminho vimos apenas tempestades ao longe, na
savana, com relâmpagos a cair em locais distantes.
Tirámos muitas fotos bonitinhas entre as quais a que eu mais
gosto é a das seis pequenas com que nos cruzámos em Kalandula, cada uma levou
um bombom e em troca posaram para uma fotografia linda que a ‘quinny’ tirou e com que eu enfeitei este post para que parecesse bonito e vos levasse, ao engano, a lê-lo.
Fizemos também dois filmes, são bastante foleiros mas por certo vocês também
não esperavam melhor. A verdade é que foram feitos com uma máquina fotográfica das reles e baratas e também se eu soubesse fazer filmes estava a esta
hora em Hollywood, numa qualquer festa muito chic, ao lado da Angelina Jolie e
de outras que tais, certinho é que não estava aqui a escrever nem vos ia contar nada do que fizesse nessas loucas festas cheias de actrizes lindonas.
O filme das quedas de Kalandula podem ver em:
O filme com as borboletas podem ver em:
Chamo a atenção para a berma da estrada, esta é de cimento
branco mas de tantas borboletas ficou completamente preta.
Cada ponto preto que se
vê no filme não é um lixo na câmara nem no vosso ecrã, é uma borboleta que mais tarde se transformou em 'gosma nhanhenta espalhada pelo vidro de um carro'.
Para as fotografias, que são muitas fiz um novo álbum,
encontram-no em:
Esta foi a última vez que vos escrevi e é aqui que me despeço de todos vós... infelizmente escrever
faz-me ficar com o ego gordo (coisa típica de homens), caso vocês não saibam egos
gordos fazem pessoas arrogantes e eu já não ando longe de me achar um qualquer semi-deus,
tal e qual divindade incarnada já tenho alguns tiques faraónicos... Tudo isso
não ajuda nada a ser boa pessoa, mas também não é para menos, a verdade é que
tenho vinte e oito seguidores e lembro-me vagamente de ter ouvido falar de
alguém que há dois mil e tal anos atrás tinha apenas doze seguidores, sem
internet e sem nada acabou por morrer com a idade que tenho hoje e daí surgiu
uma religião imensa com milhões de seguidores. Pois bem, não é nada disso que
pretendo para mim, eu quero apenas ser eu pois é aquilo que sei fazer melhor e
uma vez que já tenho mais do dobro de seguidores do que esse outro rapaz tinha
com a minha idade parece-me que o mais sensato é parar por aqui.
As escrituras do Bernardo acabaram hoje, a 16 de Novembro, quatro ou cinco meses antes de fazer dois anos
que começaram. Dois anos é uma vida e valeu a pena a este blog existir por este
tempo, hoje morreu mas morre com a sensação de que teve uma vida jeitosinha, não foi inesquecivel mas viveu, não era intenção dele deixar saudades nem que a sua falta fosse sentida.
Saibam que se aqui voltarem será apenas para reler
histórias antigas (a verdade é que há duas ou três que são razoaveizinhas e
vale a pena reler).
Desta é que não volto,
Bernardo Marques.
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